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Não parece, mas melhorou

Apesar do pessimismo com a crise, explorado na campanha eleitoral, a vida dos brasileiros teve avanços expressivos em duas décadas, revela um novo livro

Por Bianca Alvarenga Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 16h59 - Publicado em 28 set 2018, 08h00
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  • A insatisfação da população com a economia e a situação do país é inequívoca e justificada. A fotografia do Brasil dos dias de hoje não poderia ser mais negativa. Os anos de recessão seguidos a um período de estagnação fizeram o desemprego explodir. A incompetência administrativa dos políticos, a defesa de seus interesses e a corrupção deixaram o Estado brasileiro em grave crise fiscal, que se traduz na precarização dos serviços prestados à população. Tal situação ajuda a explicar a polarização política e o radicalismo que se testemunham às vésperas das eleições. Mas o Brasil de hoje é muito melhor que o de um passado não tão distante, de duas décadas atrás.

    Essa é a tese de um livro que acaba de ser lançado por três pesquisadores da Fundação Getulio Vargas e da consultoria Plano CDE, especializada em análises das classes C, D e E. O Brasil Mudou Mais do que Você Pensa (FGV Editora), de Lauro Gonzalez, Mauricio Prado e Mariel Deak, vai além da fotografia do momento atual e monta um filme completo dos principais indicadores socioeconômicos no período de 1995 a 2015 (a análise se estende só até 2015 porque nesse ano houve uma mudança de metodologia na principal fonte de dados, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE, o que impede uma comparação precisa dos números mais recentes). A visão defendida pelos autores é que a crise nem de longe devolveu o país ao panorama desolador de duas décadas atrás.

    “Há conquistas permanentes. A universalização da educação e o aumento da escolaridade da população, por exemplo, não regrediram na crise”, diz Mauricio Prado, diretor da Plano CDE. Segundo ele, a comparação frequente dos índices educacionais do Brasil com os de países mais desenvolvidos, como europeus ou até alguns emergentes, desconsidera questões importantes. “Em 1995, tanto o Chile como a Coreia do Sul já haviam universalizado o acesso ao ensino. Enquanto isso, tínhamos 3 milhões de crianças e adolescentes fora da escola”, afirma. Ele ressalta que, em passado recente, nossos indicadores estavam mais próximos aos da África.

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    Antes da crise de 2014, o Brasil experimentou um dos seus períodos de maior desenvolvimento econômico e social. Na metade da década de 90, o bem-sucedido Plano Real encaminhou o país para a estabilização da inflação, reduziu os déficits fiscais e a dívida externa e criou condições para que políticas públicas de longo prazo fossem implementadas. Os avanços na universalização da educação, na distribuição de renda e na ampliação do poder de consumo foram expressivos, a despeito de crises de curta duração como as do fim dos anos 90 e as de 2002 e 2008. Outro aspecto importante foi o aumento da renda, proporcionado pelo crescimento do mercado de trabalho, notadamente pela criação de vagas com carteira assinada. Entre 1995 e 2015, cerca de 20 milhões de empregos formais foram gerados. Os efeitos secundários desse fenômeno se deram no acesso a bens de consumo, como automóveis, eletrodomésticos e eletrônicos. Os números mostram, por exemplo, que mais lares brasileiros, especialmente os de baixa renda, passaram a ter geladeira e máquina de lavar. O primeiro item permite uma melhoria no planejamento do orçamento familiar destinado à alimentação. O segundo dá condições para que mulheres entrem no mercado de trabalho ou disponham de tempo para se dedicar a atividades que não apenas tarefas domésticas. “O efeito da crise na renda é perceptível, pois afeta o consumo, o acesso ao crédito e a serviços essenciais. Mas a posse de bens é mais resiliente. Poucas famílias poderão comprar uma máquina de lavar nova, mas a maior parte não venderá a que já tem por causa da crise”, afirma Lauro Gonzalez, professor da FGV.

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    NÃO É UM SAQUE - Consumidores na promoção de uma loja, em 2014: aumentou o número de lares com eletrodomésticos (Ivan Pacheco/VEJA)

    Reconhecer as conquistas dos últimos anos não é um exercício desprovido de crítica. Os autores ponderam, por exemplo, que ter o acesso à educação ampliado não garante que os serviços tenham excelência. Elevar a qualidade, aliás, é o grande desafio dos governantes. O livro propõe que a melhor forma de fazer isso é observar quais escolhas se provaram certas e quais devem ser corrigidas. As principais decisões que permitiram a universalização no ensino básico foram a criação de diretrizes nacionais de ensino e de um fundo para a distribuição de recursos a estados e municípios. São políticas de Estado que superaram as divergências de diferentes mandatos presidenciais, de governadores e prefeitos e que só foram eficazes porque tiveram continuidade.

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    Os pesquisadores afirmam que o atual sentimento de insatisfação guarda relação com a frustração com o progresso pessoal que deixou de ser conquistado. Segundo eles, é um descontentamento que acomete principalmente os mais jovens, que colheram os frutos das melhorias recentes, pois já puderam crescer em lares cuja renda aumentou e tiveram maior acesso à educação. Agora, percebem os efeitos da estagnação de modo inédito. É como se houvesse uma dose de saudosismo em relação aos anos de prosperidade.

    Tal sentimento tem sido explorado por candidatos que prometem soluções mágicas para problemas complexos, combinação que não funciona de maneira sustentável. A análise da evolução do Brasil de forma abrangente, como um filme, mostra que os avanços se deram por meio de políticas públicas duradouras. Fica a lição aos candidatos à Presidência.

    Publicado em VEJA de 3 de outubro de 2018, edição nº 2602

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