Em A Origem das Espécies, o naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882) definiu os olhos como “órgãos de maravilhosa estrutura”, cuja “inimitável perfeição” parecia longe de ser compreendida. No século XIX, quando foi publicada a obra clássica, o único ponto de vista que a ciência tinha sobre essa questão era o do humano. Afinal, não havia como perguntar a outros animais como eles enxergam o mundo. Por isso, imaginava-se que eles talvez vissem tudo da mesma forma que nós. Com o avanço dos estudos, descobriu-se que não são todas as espécies, a exemplo do gênero Homo, que se apoiam na visão para circular no mundo. Insetos guiam-se por sons, enquanto gatos têm olhar apurado à noite e cachorros são daltônicos e dependem da audição e do olfato. No entanto, ainda pouco se sabia sobre como os outros seres vivos veem, de fato, os arredores. Um estudo publicado em maio por biólogos da Universidade Duke, nos Estados Unidos, esclareceu essa dúvida.
Descartam-se mitos como o de que cães enxergam em preto e branco. Os caninos só têm maior dificuldade de distinguir entre tons diferentes de uma mesma cor, a exemplo das pessoas daltônicas. A grande diferença na maneira como os seres humanos observam a realidade, em comparação com os outros animais, está na resolução da imagem. Enquanto os humanos veem o mundo com a nitidez de um televisor de alta definição, os animais enxergam-no como se fosse através de um aparelho antigo de tubo, ou até pior.
Para chegarem a tal conclusão, os pesquisadores de Duke não puderam, evidentemente, indagar de outros seres vivos como eles enxergam (em teoria, só seria possível fazer algo próximo disso com primatas, como os chimpanzés). O trabalho analisou, primeiro, a anatomia dos olhos de cada espécie, levando em conta características como a densidade da retina e a capacidade de absorção de luz. Depois, os cientistas consultaram estudos sobre hábitos comportamentais dos animais. Em seguida, os dados foram inseridos em um software capaz de reproduzir no computador como a imagem seria formada pelo olhar de 600 tipos de mamíferos, aves, peixes, insetos e répteis. Analisando as imagens de computador, a equipe mediu quantos pares de linhas paralelas um animal consegue distinguir dentro do ângulo de um grau de sua visão, antes de tudo se tornar simplesmente um borrão cinza. Esse padrão criado pelos pesquisadores deu origem, então, a um índice de qualidade da visão, que se mede em “ciclos por grau” — quanto maior o número de ciclos, melhor ela é.
O ser humano, assim como outros primatas, tem uma das visões mais aprimoradas entre os animais. Pelos critérios do estudo, uma pessoa apresenta, em média, visão de sessenta ciclos por grau. Acima desse patamar se encontram apenas raras espécies de pássaros predadores, como a águia — esta, com 140 ciclos por grau. Cães e gatos, por exemplo, que enxergam com um grau de nitidez muito semelhante, alcançam no máximo quinze ciclos por grau. Disse a VEJA a bióloga americana Eleanor Caves, coautora da pesquisa: “Na próxima vez em que for brincar com seu cachorro, ou mesmo dar bronca nele, reflita sobre o fato de que ele não vê tudo como você. Logo, adapte-se a isso e provavelmente seu bicho de estimação compreenderá melhor suas ações”.
A diferença de uma espécie para outra se dá no âmbito darwiniano. Apesar de Darwin não ter previsto que os outros animais poderiam ver de forma distinta, hoje se conclui que essa diferença ocorreu justamente em consequência da seleção natural teorizada pelo naturalista. Explica a veterinária oftalmologista Andréa Barbosa, especializada em estudos sobre olhos de cachorros: “Cães têm uma retina bem menos sensível que a nossa, mas no ambiente noturno veem melhor. Já morcegos, que residem em locais escuros, são quase cegos, mas norteiam-se pelo sistema de ecolocalização”. Por essa lógica, águias seriam mais eficientes pois só aquelas que eram capazes de identificar uma presa a distância sobreviveram e, assim, conseguiram se reproduzir.
O estudo da Universidade Duke elucida como os olhos dos demais animais captam o mundo ao redor. Ele não é, porém, totalmente conclusivo. “Há outro fator que ainda não fomos capazes de desvendar: como o cérebro de cada ser vivo desenha as imagens captadas. Pode ser que a mente de um rato não identifique objetos como faz a de um ser humano”, pontua a bióloga Eleanor Caves. Em outras palavras, ainda não se sabe se o cérebro dos animais decodifica a imagem exatamente como ela foi captada pelos olhos, ou ainda da forma como é identificada pela mente humana. Ou seja: é possível que a retina de um cachorro capture as imagens com uma determinada resolução mas que seus neurônios as desenhem com resolução diferente.
Publicado em VEJA de 20 de junho de 2018, edição nº 2587