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O direito de matar

Na sociedade do “eu mereço”, será proibido ter bebês deficientes?

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 4 jun 2024, 17h29 - Publicado em 4 Maio 2018, 06h00
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  •  (Weberson Santiago/VEJA)

    “Meu gladiador baixou o escudo e criou asas.” Dificilmente alguém terá feito um epitáfio mais comovente, ainda mais sendo um pai de apenas 21 anos que acabou de perder seu filhinho. A história do pequeno Alfie, que morreu antes de completar 2 anos, é espantosa. Vitimado por uma doença cerebral nunca exatamente diagnosticada, ele foi condenado à morte pela mão implacável do Estado. Os médicos mandaram desligar os aparelhos. A Justiça negou os recursos dos pais para levá-lo ao hospital do Vaticano oferecido pelo papa Francisco. Ir para casa, passar as últimas horas com a família? Nem pensar.

    Isso tudo aconteceu na Inglaterra, mas é chocante até para nós, brasileiros, tristemente acostumados a um mundo orwelliano em que predomina o exato contrário das placas nas portas dos “doutores”. Juízes pelo direito de chicanear, jornalistas pelo direito de não informar e advogados pelo direito de traficar são algumas das anomalias com as quais convivemos. Mas médicos pelo direito de matar só para mostrar que podem, num ato de reafirmação da autoridade suprema do Estado sobre a vida e a morte, expõem um desafio ético que só vai aumentar. Os avanços da genética, que vai juntando as letras para ler o infinitamente complexo código da vida, estão refinando escolhas estonteantes. Qual embrião vai viver e qual será “descartado”? O de olhos azuis, heterossexual? Com genes ligados à presença de tendências liberais e à ausência de câncer?

    Abortar um feto com síndrome de Down já é um fato incorporado à sociedade. Nos Estados Unidos, dois terços das mulheres com teste positivo interrompem a gestação, a expressão light. Uma escolha torturante para muitas mães que a jornalista Ruth Marcus banalizou recentemente, num artigo em que dizia que teria abortado, nas duas vezes em que ficou grávida, se o exame fosse positivo, “porque não seria o filho que queria ter”. Uma declaração condizente com a sociedade da autoindulgência acelerada, na qual a frase “eu mereço” é usada para justificar futilidades consumistas destinadas a mimar egos fracos. Bebês com Down não ficam bem no Instagram. Como todo mundo praticamente já decidiu que existem os bebês descartáveis, avançamos para o próximo estágio: surgiu uma “corrente” segundo a qual é antiético ter filhos com deficiências graves, mesmo que os pais queiram. Não é difícil imaginar o passo seguinte. Alfie Evans reproduziu em praticamente tudo o caso de outro bebê condenado, Charlie Gard.

    Os dois teriam a alternativa de ser levados para hospitais no exterior, numa prorrogação de vida mantida por aparelhos. Não agravariam os custos da combalida saúde pública na Inglaterra. Os bem-pensantes horrorizaram-se com as manifestações em frente aos hospitais, onde grupos de mulheres rezavam, numa desprezada exibição de fé. Alfie e Charlie tinham de morrer, mais do que por suas doenças, exatamente como os detentores da verdade, e do poder sobre o corpo das crianças, determinaram. Acostumada a elogiar o papa por qualquer bobagem anticapitalista que diga, a revista The Economist considerou que seu papel no caso de Alfie foi “lamentável”. Para quem?

    Publicado em VEJA de 9 de maio de 2018, edição nº 2581

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