O efeito Amazon
O avanço do comércio eletrônico leva dezenas de shoppings e lojas tradicionais a fechar as portas nos EUA. Mas Trump promete reagir
Os pontos mais nobres da fulgurante Quinta Avenida de Manhattan, na qual se encontra, por exemplo, a joalheria eternizada pelo filme Bonequinha de Luxo, sempre foram alvo de disputas acirradas no mercado imobiliário. Para terem o privilégio de abrir uma loja nas quadras mais cobiçadas da Quinta Avenida, as marcas precisam desembolsar um aluguel anual de 30 000 dólares por metro quadrado. A principal rua de compras do Brasil, a Oscar Freire, em São Paulo, tem números bem mais modestos: cerca de 800 dólares por metro quadrado. Existem poucas vitrines, em todo o mundo, com um quilate equivalente ao da principal via de Nova York. As grifes de luxo e marcas do momento tinham quase a obrigação de possuir uma loja ali. Em um sinal dos novos tempos, entretanto, algumas grandes redes decidiram fechar as portas na avenida ou se mudaram para trechos menos caros. Foi o que fizeram, nos últimos anos, a Ralph Lauren, a Kenneth Cole e a Juicy Couture. As razões para a debandada são o custo altíssimo para manter um espaço no coração da cidade e a diminuição do fluxo de turistas. Mas não só isso: a desocupação de lojas estreladas na Quinta Avenida é simbólica da transformação em curso no comércio dos Estados Unidos. Grandes lojas de departamentos estão fechando filiais pelo país às dezenas. Alguns consultores dizem que havia uma saturação do comércio no país, cujos excessos começam a ser corrigidos. Outros apontam o dedo para outro culpado: o comércio eletrônico, o chamado “efeito Amazon”.
Até a recessão causada pela crise financeira de 2008, as marcas internacionais investiam maciçamente em grandes lojas-modelo, as flagship stores, para a divulgação de seus lançamentos. Houve uma bolha no valor dos aluguéis dos endereços mais exclusivos. Ao mesmo tempo, era essencial possuir uma grande rede de pontos de venda pelo país, tanto em endereços próprios quanto em lojas de departamentos ou shoppings. Atualmente, há 2,2 metros quadrados de lojas para cada cidadão americano — trata-se de cinco vezes mais do que os cidadãos de países europeus têm à disposição e trinta vezes mais do que os brasileiros possuem. Mas, desde 2015, cerca de 500 grandes centros comerciais, de redes como Kmart, Macy’s e Sports Authority, fecharam as portas. Segundo uma análise do banco Credit Suisse, a redução do número de lojas fará com que um em cada quatro shoppings americanos feche até 2022. Outra maneira de observar a derrocada do varejo tradicional é a queda no valor de suas ações negociadas na bolsa, enquanto a Amazon bate recordes de alta.
Fazer compras pela internet, em vez de ir a um grande shopping, está não apenas se tornando um hábito mais comum a cada dia — está perto de ser dominante. Segundo dados da consultoria Euromonitor, o varejo eletrônico representa um terço das vendas físicas nos Estados Unidos. Em cinco anos, a internet tomará a metade do mercado. A transformação não chegou ainda com tanta força à Europa e engatinha no Brasil. Na China, entretanto, o crescimento do comércio eletrônico tem sido explosivo. A migração dos chineses do campo para as cidades levou ao desenvolvimento de megalópoles, com grandiosos centros comerciais. Os chineses representam o maior mercado de internet do mundo, em termos de número de usuários. Desde 2005, o faturamento do comércio eletrônico cresceu 50.000%. Até 2022, estima-se que o varejo on-line será o equivalente a 70% das vendas feitas em lojas tradicionais, um porcentual bem superior ao esperado para os Estados Unidos e para a Europa. No Brasil, atualmente, as vendas pela internet não passam de 15% do comércio tradicional. Mas existem áreas nas quais a transição ocorre mais rapidamente, entre elas a venda de eletrodomésticos e eletrônicos. Ao contrário do que acontece nos Estados Unidos, os shoppings por aqui continuam em expansão. Passada a recessão, a tendência esperada é de retomada do consumo. “Conseguimos atravessar bem a crise no setor”, afirma Glauco Humai, presidente da Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce). “Ainda há muito espaço para o surgimento de centros comerciais no país. A área total de lojas em relação ao número de habitantes é baixa, bem distante do que se vê no mercado americano.”
O varejo tradicional americano em crise ganhou um defensor de peso: Donald Trump. “A Amazon precisa pagar os custos (e os impostos) imediatamente!”, esbravejou, recentemente, pelo Twitter. A concorrência desleal está levando à ruína milhares de pequenos comerciantes, disse Trump. Sempre dado a tiradas populistas, nesse caso o presidente americano pode ter escolhido um alvo que pouco lhe renderá votos. A despeito dos empregos perdidos no comércio, a grande maioria da população apoia os benefícios trazidos pelas compras on-line, em termos de comodidade e preço. O presidente, ainda assim, tem um tico de razão. A favor de sua queixa, é verdade que a estrutura tributária americana favorece o comércio digital. “Nos Estados Unidos, a maior parte dos varejistas do e-commerce não recolhe o imposto sobre vendas, similar ao ICMS brasileiro. As grandes redes conseguem ganhar alguma eficiência para competir, mas os comércios regionais não”, diz Marcos Gouvêa de Souza, consultor e conselheiro do Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV). Não há muito tempo, aliás, as críticas feitas nos Estados Unidos recaíam sobre os gigantes Walmart e Kmart, que arrasavam com as lojas tradicionais sempre que chegavam a uma nova praça americana. Trump também criticou o fato de a Amazon pagar relativamente pouco para ter as mercadorias entregues pelos correios, o United States Postal Service, uma empresa pública que tem acumulado prejuízos com a queda no número de correspondências e o aumento de despesas com os funcionários.
Embora bravateie pelas redes sociais, Trump não deixou claro se tentará conter o poder da Amazon e como fará isso. Ainda assim, é também um sinal dos tempos que a China veja na tecnologia uma maneira de favorecer o consumo e a inclusão social, enquanto o líder americano a tenha como uma ameaça.
Publicado em VEJA de 18 de abril de 2018, edição nº 2578