Depois da tragédia de Fukushima, no Japão, em 2011, a preocupação com a segurança das usinas nucleares voltou ao centro das atenções em diversos países. Essa não foi a única causa, mas contribuiu para o encerramento das atividades de muitas delas. O governo alemão, por exemplo, vai desativar todas as suas usinas nucleares até 2022. Nos Estados Unidos, cinco foram fechadas e outras quatro deverão ter o mesmo destino nos próximos anos. Essa decisão só foi possível porque novas fontes de energia ganharam espaço nos últimos anos, como as térmicas a gás, as turbinas eólicas e os parques solares. São fontes mais acessíveis e de menor risco.
O Brasil, entretanto, pouco antes do acidente no Japão, havia optado por resgatar o projeto de concluir a usina nuclear Angra 3, no litoral fluminense, iniciada na década de 80. A construção foi retomada em 2009, sob a justificativa de afastar a ameaça de um novo apagão no país. As obras estão suspensas, porém, desde 2015, após revelações de denúncias de corrupção. E, mesmo depois de elas terem consumido 8 bilhões de reais, não se vislumbra o término das instalações. Agora, nem a Eletronuclear, a estatal encarregada do projeto, nem o governo têm o capital para tocar o empreendimento.
Quando o canteiro de obras foi retomado, nos tempos de oba-oba do governo Lula, calculava-se que a conclusão da usina consumiria 8,4 bilhões de reais e ela seria inaugurada em 2015. Estimativas furadas. A ideia não declarada era apenas fazer girar as negociatas com as empreiteiras. As investigações da Lava-Jato revelaram que o almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, ex-presidente da Eletronuclear, recebeu propina de 4,5 milhões de reais da Andrade Gutierrez, responsável pelas obras de Angra 3. Resultado: tudo parou, e o trabalho continua inacabado.
Números atualizados informam que serão necessários outros 17 bilhões de reais para concluir a usina. Ninguém tem ideia de onde sairá tanto dinheiro. E os contratempos não param por aí. Em 2009, o custo para o funcionamento de Angra 3 foi calculado em 140 reais por megawatt-hora (MWh). Era esse o valor da tarifa a ser cobrada para que o investimento fosse viável. Hoje, o custo estimado chega perto dos 500 reais por MWh. É o sêxtuplo do custo de geração da hidrelétrica de Belo Monte (veja o quadro acima). Outra comparação desfavorável a Angra 3: ela terá capacidade de produção de energia equivalente à da hidrelétrica de Teles Pires, na divisa do Pará com Mato Grosso, mas custará seis vezes mais. “Pelos valores atualizados, se Angra 3 estivesse em operação, haveria um acréscimo de 2% na conta de luz de todos os brasileiros”, afirma Edvaldo Santana, ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Parece pouco, mas trata-se de um valor considerável, tendo em vista que a usina responderá por uma fração inferior a 1% da oferta de eletricidade no país.
O destino de Angra 3 virou um dos empecilhos no caminho da privatização da Eletrobras, porque a área nuclear representa um passivo no balanço da estatal. A solução proposta pelo governo prevê a nomeação de um novo consórcio para a construção dos 35% restantes da usina. Esse consórcio financiaria os 17 bilhões de reais necessários e repassaria o gasto para o consumidor, por meio da tarifa de energia. Mais uma vez, de uma forma ou de outra, está em gestação a socialização de prejuízos.
Outra opção seria simplesmente congelar o projeto. O Ministério de Minas e Energia fez as contas e descobriu que, para pagar os financiamentos já contratados, desmontar o canteiro de obras e dar um fim seguro ao reator, seriam necessários 12 bilhões de reais. “É preciso reconhecer que Angra 3 foi um fracasso e tomar isso como uma lição histórica”, afirma Claudio Salles, presidente do Instituto Acende Brasil.
Angra 3 é uma das heranças faraônicas da ditadura militar. Sua construção começou em 1984, uma década depois do Acordo Nuclear Brasil-Alemanha. Os alemães forneceram tecnologia para a criação de Angra 1 e Angra 2, ambas operando atualmente. Com a crise nas contas públicas e a moratória da dívida externa, o governo brasileiro desistiu de Angra 3 dois anos após o início das obras. As outras duas, por muito tempo, eram usinas “vaga-lumes”, por causa de frequentes problemas em suas operações. A terceira, retomada pelos sonhos faraônicos do governo do PT, permanece com o futuro incerto. Seja qual for a solução, seguir em frente ou acabar com tudo, a conta caberá a todos os brasileiros.
Publicado em VEJA de 18 de julho de 2018, edição nº 2591