No Brasil, a faixa etária que vai de 20 a 34 anos é a que mais concentra vítimas de infecção pelo HIV. Nela, estão 52% dos cerca de 830 000 brasileiros que, calcula-se, são portadores do vírus. Mas é a faixa logo abaixo dessa a que mais alarma os especialistas. Entre os jovens de 15 a 19 anos, a taxa de detecção do HIV quase triplicou na última década. Passou de 2,4 casos por 100 000 habitantes, em 2006, para 6,7 casos, em 2016. Entre as mulheres também houve um crescimento da doença na mesma faixa etária — de 3,6 para 4,1 casos. Isso ocorre porque, segundo o Ministério da Saúde, quanto mais jovens, menos os brasileiros fazem uso da camisinha, ainda a melhor forma de proteção contra a doença. Estima-se que um em cada três jovens inicie a vida sexual sem usar preservativos.
Para reduzir os números dessa tragédia precoce, o governo passou a distribuir gratuitamente, desde dezembro passado, um medicamento para prevenir a infecção por HIV. É uma combinação dos antirretrovirais tenofovir e entricitabina. O Truvada, seu nome comercial, bloqueia a entrada do vírus HIV no DNA das células de defesa do organismo, impedindo a sua replicação. A prevenção consiste na ingestão diária de um comprimido — apenas por quem não tem o vírus. Se utilizado de forma regular, sem interrupções, o medicamento reduz em 90% o risco de infecção.
Os efeitos adversos mais graves são a insuficiência renal e a perda de massa óssea, que podem acometer 5% das pessoas. Por isso, quem usa o medicamento deve fazer acompanhamento trimestral para avaliar como está a saúde dos rins. Sintomas gastrointestinais, como náuseas e dores abdominais, são mais comuns, mas tendem a desaparecer com o uso contínuo. Para receber o remédio, é preciso procurar o serviço de saúde e ser submetido a uma avaliação para verificar o grau de exposição. Por enquanto, só será distribuído a homens que fazem sexo com homens, pessoas trans, casais sorodiscordantes (quando um tem o vírus e outro não) e profissionais do sexo.
Estudos mostram que o aumento na frequência de sexo sem camisinha está diretamente relacionado à diminuição do medo de contrair a doença. Uma pesquisa de 2015 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) feita com mais de 100 000 alunos do 9º ano do ensino fundamental, com idade entre 13 e 15 anos, mostrou que apenas 66% deles tinham usado camisinha na última relação sexual. O mesmo estudo conduzido três anos antes havia sinalizado um cenário um pouco melhor: 75% dos jovens afirmaram ter mantido uma relação sexual segura. “O motivo para o alto índice de sexo inseguro entre os jovens é sobretudo o fato de eles não terem vivenciado os momentos graves da epidemia, que teve seu auge na década de 80”, diz o infectologista Artur Timerman. “A imagem do soropositivo magro e debilitado é rara hoje em dia”, afirma. Soma-se a isso a evolução dos métodos de tratamento, que atualmente permitem que a aids seja tratada como uma doença crônica — e o resultado é o aumento da contaminação em jovens que mal iniciaram a vida sexual.
A estratégia de lançar mão de medicamentos que agem antes da relação sexual, e não “na hora H”, como ocorre com o preservativo, é conhecida como “prep”, abreviação de “profilaxia pré-exposição”. Ela é aprovada em países como Estados Unidos, Bélgica, Escócia, Peru, Canadá e Austrália, onde o Truvada é comercializado. Na França e na África do Sul, o medicamento também é distribuído de forma gratuita, como no Brasil. “Trata-se de um marco no enfrentamento da epidemia brasileira tão importante quanto a chegada da terapia antirretroviral, na década de 90”, afirma Ricardo Vasconcelos, infectologista do Hospital das Clínicas, em São Paulo. Críticos do método, no entanto, temem que o uso do medicamento preventivo possa estimular os jovens a abandonar de vez o uso da camisinha — que ainda é, nunca é demais ressaltar, o melhor método. Em países como a Austrália, onde a prep está difundida, caiu 20% o uso do preservativo.
Timerman teme que a estratégia possa agravar a disseminação da aids entre os jovens: “Ela não deve, de forma alguma, substituir o uso de camisinha, mas ser um complemento. Se a prevenção não vier acompanhada de orientação, a falsa sensação de segurança poderá aumentar o comportamento de risco”. Ele lembra que, no Brasil, 10% dos vírus da aids são resistentes a esse tipo de medicamento. Ou seja, o remédio não protege em 100% dos casos.
Publicado em VEJA de 10 de janeiro de 2018, edição nº 2564