Em agosto do ano passado, VEJA publicou uma reportagem de capa em que vaticinava que o presidente Michel Temer estava inaugurando um outro governo — só que pior. Mostrava que, com o voto de 263 deputados, Temer obtivera uma vitória estrondosa ao evitar a abertura de uma investigação no Supremo Tribunal Federal sobre a delação bombástica do empresário Joesley Batista, mas apontava para o elevadíssimo preço pago pelo governo: tornou-se refém da banda podre do Congresso, que passou a fazer o que nasceu para fazer — chantagem com preços quase sempre altos e quase nunca públicos.
Assim se deu: o governo foi, gradualmente, perdendo o estupendo apoio parlamentar que tinha no início. Na segunda denúncia contra Temer, motivada pela mesma delação de Joesley Batista, os 263 votos caíram para 251. Em votações subsequentes, sobretudo naquelas que requerem maioria qualificada, o capital político do presidente foi minguando aos poucos na exata medida em que seus aliados de ocasião exigiam cada vez mais benesses do governo. Com isso, a aprovação da mãe de todas as reformas, a da Previdência Social, ficou cada vez mais distante.
Na semana passada, ao decretar intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro e desistir da agenda reformista, Temer deu início a um outro governo, agora em versão abertamente populista. É o terceiro governo em menos de dois anos. Se antes se concentrara numa agenda impopular — as reformas, mesmo sendo de uma necessidade abissal, são altamente impopulares —, Temer agora partiu em busca do aplauso das massas. É uma guinada notável para um presidente que tantas vezes afirmou que o apoio popular lhe era indiferente.
É natural — e plenamente desejável — que presidentes alterem a rota de seu governo quando percebem que estão colocando o país na direção do iceberg. No caso de Temer, a desistência da agenda reformista e a adoção do combate à violência pública não têm relação alguma com melhores dias para o país. Como mostra a reportagem publicada na página 42 desta edição, a intervenção saiu da cartola sem nenhum planejamento sério, estudo prévio e minucioso. É apenas uma cartada com a qual, se tudo der perfeitamente certo, Temer poderá ter influência na escolha de um candidato presidencial que defenda seu legado, ou, quem sabe, até candidatar-se ele mesmo à reeleição.
Com seu terceiro governo, Temer promoveu a maior inflexão de rumo de um mandato presidencial na era democrática: do reformista ao populista. Talvez seja a prova mais evidente de que o PMDB, agora reduzido para MDB, é um partido firme na hora de apoiar um governo, mais firme ainda na hora de sabotar um governo, mas sem firmeza alguma na hora de ser governo.
Publicado em VEJA de 28 de fevereiro de 2018, edição nº 2571