Primeiro, a notícia boa. A Luminosidade, responsável pela São Paulo Fashion Week, a principal semana de moda do Brasil, anunciou que 50,1% da empresa foi comprada pela IMM Participações, de propriedade do fundo de investimentos Mubadala, de Abu Dhabi, cujo portfólio inclui participações em dois blockbusters de público: o Rock in Rio e o torneio esportivo UFC, de artes marciais e muita pancadaria. O valor do negócio não foi divulgado. Agora, a notícia ruim: pouco adianta entrar capital estrangeiro se a matéria-prima principal do evento — as roupas — muitas vezes são “inspiradas”, para não dizer copiadas, naquilo que é feito no mercado internacional.
O Ctrl C + Ctrl V não pode ser tratado como novidade retumbante, embora cada vez mais se sofistique. Acontece em toda temporada, mas não deixa de chocar quando se percebe na passarela a versão nacional de um item fotografado e disseminado à exaustão lá fora. Em janeiro de 2016, a francesa Balenciaga lançou uma coleção de cachecóis enormes, sempre no preto e no branco. A peça, que custa o equivalente a 14 000 reais na Europa, ganhou adeptos de peso como a cantora Rihanna, que usou uma versão feita de pele de cordeiro. Na semana passada, dentro do Parque Ibirapuera, em São Paulo, a Osklen mostrou uma coleção em prol da sustentabilidade. Chamou atenção a versão em algodão reciclado do cachecol enorme, também em preto e branco. Cópia? “Cachecóis com inscritos são uma tendência global e diversas marcas comunicaram suas palavras de ordem na passarela”, respondeu a grife por comunicado. “Cada uma com sua bandeira e com seu estilo. O da Osklen é uma peça-manifesto pela urgência de sermos mais sustentáveis.”
Queridinho de mulheres sexy e ricas, o estilista francês Alexandre Vauthier desenvolveu um vestido de couro prata de um ombro só, apresentado pela modelo Bella Hadid no desfile de janeiro de 2017, em Paris. Quinze meses depois, uma “releitura” surgiu na coleção de Fabiana Milazzo, numa versão de tecido fino, apenas trocando o ombro adornado. Fabiana, a preferida de muitas blogueiras, faz sua defesa, longamente: “O modelo do estilista Alexandre Vauthier parte de uma jaqueta perfecto desconstruída, e meu vestido é de um ombro só, clássico dos anos 80, década revisitada em todas as peças de minha última coleção e traduzida para hoje com tecidos tecnológicos desenvolvidos na Itália, com exclusividade”. Registre-se que o francês Vauthier foi acusado de copiar a fonte de todas as fontes: Yves Saint Laurent.
Beber do que já foi feito é história antiga — e, no caso da São Paulo Fashion Week, serviu de âncora para manter o evento vivo. Criada há 23 anos pelo empresário Paulo Borges, a semana de moda passou por turbulências recentes, na trilha da cambaleante economia brasileira. Com a justificativa da crise, a prefeitura paulistana cortou o patrocínio da festa, que em 2016 foi de 5,6 milhões de reais. O setor privado também minguou.
Até pouco tempo atrás, sobre as cadeiras das primeiras filas dos desfiles, onde editoras de moda e celebridades disputavam os melhores lugares, repousavam os disputados jabás. Em muitos casos, vários deles. Sacola de brindes, como lenço, cosméticos e xampus. Hoje em dia, em geral, não há nada além de um papel com explicações sobre detalhes da coleção. O custo para pôr de pé uma semana de moda é de, no mínimo, 10 milhões de reais.
Se não há dinheiro, se existe constrangimento de ver as cópias descobertas, qual a saída de sucesso? O novo controlador árabe, a IMM, sabe como criar experiências sob medida para ser compartilhadas nas redes sociais — os chamados desfiles “prêt-à-poster”. A ideia é que o cenário, as manequins e todo o burburinho ganhem mais destaque do que a roupa. A Chanel chegou a criar, em Paris, um lobby de aeroporto e uma versão da Torre Eiffel. Tudo para ser postado pelos convidados. O investimento em um desfile desse quilate chega a 8 milhões de reais. É o que se pretende fazer com a São Paulo Fashion Week, guardadas as proporções. Como a IMM trabalha com eventos que vendem ingressos, imagina-se que as bilheterias também sejam instaladas por aqui não para os desfiles em si, mas para exposições e shows paralelos. “A moda é um espelho do país, que passa por crises e precisa se reinventar”, diz a consultora de moda Costanza Pascolato. A respeito do outro problema, o do mimetismo, ela é pragmática: “Esqueça a criatividade, tudo já foi feito”.
Como tudo já foi feito, um dos planos dos organizadores era aplicar mais “mundo real” nas passarelas. Uma das exigências era que os estilistas tivessem todas as peças nas lojas no dia seguinte ao do desfile. Não agradou, e grifes como a Colcci (que tinha poder de fogo para atrair nomes como Gisele Bündchen e Ashton Kutcher) saíram de cena. “A entrada do fundo árabe será algo bom para trazer mudanças”, diz a jornalista Lilian Pacce. Espera-se que as mudanças privilegiem, de fato, o que precisa ser privilegiado: a criação, a originalidade.
Publicado em VEJA de 9 de maio de 2018, edição nº 2581