Para voar mais alto
O presidente da Agência Nacional de Aviação Civil, José Ricardo Botelho, defende a abertura às empresas estrangeiras para o país atrair mais turistas
O número de turistas que desembarcam no Brasil a cada ano não passa de 7 milhões, menos da metade do que chega à cidade de Miami, nos Estados Unidos. Entre outros problemas, duas das barreiras que impedem que a vocação turística brasileira se desenvolva são o alto custo das passagens aéreas e a limitação da quantidade de voos — empecilhos para a vinda de turistas. Para reverter a situação, será necessário abrir o mercado a um número maior de empresas, incluindo as controladas por capital estrangeiro. O diagnóstico é do presidente da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), José Ricardo Botelho de Queiroz. Segundo ele, uma iniciativa importante foi a permissão às companhias de cobrar pelo despacho de bagagem, assim como já ocorre no exterior. Quem viaja só de mochila paga menos, o que pode atrair passageiros. Ele conta que empresas estrangeiras de baixo custo já demonstraram interesse de voar para o Brasil. Leia a seguir trechos da entrevista com o executivo.
CRÍTICAS À COBRANÇA
As reações às novas normas sobre bagagem são similares às observadas em 2001, quando entrou em vigor a liberdade tarifária. A agência recebeu muitas críticas. Mas o tempo provou o acerto. Hoje, o preço médio do bilhete aéreo é quase 50% menor do que em 2000. A aviação deixou de ser um transporte de elite e tornou-se acessível à grande massa da população. Em 2001, havia 33 milhões de passageiros nos voos do país. Ocorreu um salto para 100 milhões. Um dos principais objetivos da mudança das regras, que também amplia os direitos do consumidor em casos de atraso e cancelamento de voos, é fazer com que o mercado seja mais atraente a companhias estrangeiras. É o aumento da concorrência que cria condições para que as tarifas caiam e a demanda seja maior.
TRANSPARÊNCIA
O preço do bilhete ficou mais transparente. O passageiro sabe quanto está pagando pela bagagem. Mas a questão vai além disso. A principal queixa tem a ver com a contratação de serviços: há pessoas que achavam que a taxa de embarque já estava na tarifa ou que contestam o valor de remarcação do bilhete. Agora, as companhias são obrigadas a informar o valor cheio das passagens quando a pesquisa é feita no site. Nós também impedimos a marcação automática daquela caixa de contratação de serviços, como o seguro-viagem. Isso protege o consumidor, principalmente as pessoas que não estão acostumadas a comprar passagens aéreas.
MITO DA GRATUIDADE
A bagagem gratuita era um mito. Cada mala despachada tem um peso e um custo, o qual era distribuído entre todos os passageiros. A injustiça era não oferecer a eles o direito sagrado de optar por não despachar a bagagem e economizar com isso. Imagine um condomínio de casas com um hidrômetro coletivo. O morador que vive sozinho paga o mesmo que uma família com seis pessoas, ainda que tenha um consumo muito inferior de água. É justo?
PREÇOS EM ALTA
Existe uma diferença de metodologia entre índices de preço. Por isso, uns mostram encarecimento da passagem, enquanto outros, como o da Anac, indicam queda. O IBGE leva em conta os preços de passagens ofertadas nos sites das companhias, em onze regiões metropolitanas e duas capitais, com sessenta dias de antecedência para o voo. A Anac computa todas as passagens efetivamente vendidas no país. Outra ressalva: os dados dos institutos não consideram a influência da época do ano sobre os preços. Analisamos os dados de junho a setembro, entre 2012 e 2016, e verificamos que o bilhete costuma encarecer no segundo semestre. É preciso esperar um período mais extenso para avaliar com clareza o impacto das novas regras de bagagem. Como há outros fatores que interferem no valor das passagens, para cima e para baixo, leva tempo para depurar o impacto das mudanças.
EXPERIÊNCIA LÁ FORA
O Brasil era um dos poucos países que ainda exigiam das companhias o despacho de bagagem, junto com China, Venezuela e Rússia. A experiência internacional mostra que regras que interferem demais no funcionamento do mercado de aviação são inversamente proporcionais à quantidade de passageiros. A China tem 1,3 bilhão de habitantes, mas 560 milhões de pessoas transportadas por ano. Por outro lado, a população americana é de 300 milhões, mas tem 900 milhões de passageiros. Imagine o potencial do Brasil. Com 200 milhões de habitantes e um território imenso, temos 100 milhões de passageiros e recebemos apenas de 6 milhões a 7 milhões de turistas por ano. É menos da metade do que vai para Miami.
CONCORRÊNCIA
Começamos a perceber efeitos positivos das mudanças. Empresas de baixo custo planejam solicitar rotas para o Brasil neste ano. Uma delas é a Norwegian, uma das maiores companhias de baixo custo do mundo; a outra é a argentina Flybondi. O Brasil tem hoje treze companhias, não só de baixo custo, que voam em seu território. Cada uma das quatro maiores tem mais de 10% do mercado. Isso mostra que há concorrência. Mas é possível aumentá-la. Nos Estados Unidos, havia cerca de 120 companhias aéreas em 2016 — o dado mais recente.
CAPITAL ESTRANGEIRO
Uma medida importante para ampliar a competição é o fim da limitação de 20% ao capital estrangeiro nas companhias aéreas brasileiras. A restrição foi criada em 1966. A lei diz também que a direção da empresa tem de ser ocupada por brasileiros. Mas será que são exigências que ainda fazem sentido? Do nosso ponto de vista, essas restrições travam investimentos. O aumento da concorrência levará a uma expansão da infraestrutura aeroportuária, o que vai estimular uma demanda maior por voos. Haverá também mais empregos e mais receita com o pagamento de tributos.
Publicado em VEJA de 28 de fevereiro de 2018, edição nº 2571