Política pornográfica
As mulheres contam suas aventuras sexuais com Trump — e ele, um parlapatão no Twitter, faz silêncio
Antes de se tornar presidente, Donald Trump se vangloriava de conseguir a mulher que bem entendesse. Em um vídeo gravado em 2005 e vazado durante a campanha de 2016, ele contava que seduzia casadas e celebridades. “Eu nem espero. Quando você é uma estrela, elas deixam você fazer isso. Você pode fazer qualquer coisa.” Nas últimas semanas, duas mulheres que tiveram relações sexuais com Trump em 2006 trocaram de posição e agora querem fazer o que bem entendem com ele. Orientadas por bons advogados, elas buscam na Justiça o direito de divulgar suas histórias e ganhar muito dinheiro. “Eu ainda não recebi 1 milhão de dólares”, disse a atriz pornô Stephanie Clifford, cujo nome artístico é Stormy Daniels (stormy significa “tempestuosa”, em inglês). Ela está em uma turnê de strip-tease chamada “Vamos devolver o tesão para a América”, uma brincadeira com o slogan de campanha “Vamos devolver a grandeza da América”. Já Karen McDougal, ex-modelo da Playboy, vendeu sua história como amante de Trump ao polêmico jornal National Enquirer, em 2016, mas o dono era amigo do candidato e nada publicou.
No caso de Stormy, o escândalo pode ter implicações legais concretas para o presidente. Em entrevista ao canal CBS, a estrela pornô afirmou que, em 2011, depois de vender por 15 000 dólares a história de sua relação com Trump à revista In Touch, um homem desconhecido aproximou-se dela e da filha em um estacionamento em Las Vegas com uma ameaça. “O sujeito disse: ‘Deixe Trump em paz. Esqueça a história’ ”, contou Stormy. Dirigindo-se à filha, o homem teria dito: “Ela é uma menina bonita. Seria uma pena se acontecesse algo à sua mãe”. Stormy declarou que se sentiu intimidada e desistiu de revelar o caso à imprensa. Em 2016, onze dias antes da eleição para presidente, Michael Cohen, advogado de Trump, conseguiu que ela assinasse um acordo para novamente esconder o affair, em troca de 130 000 dólares. Stormy disse que só aceitou a oferta porque estava sob pressão e que o contrato não vale porque Trump não chegou a firmá-lo.
Se Cohen deu o dinheiro do próprio bolso com o objetivo de ajudar na campanha, como afirma, ele ultrapassou o limite legal para as doações eleitorais. Se o fez como membro da campanha ou se foi reembolsado pelo candidato, ele falhou em não declarar o montante. Nos dois casos, Cohen ou Trump podem ser punidos com multa. Não mais do que isso. O caso, portanto, não chega a constituir uma crise política, como tentam fazer parecer seus adversários, mas empurra o presidente para o picadeiro de um circo ridículo — além de deixar em posição constrangedora sua mulher, Melania, mãe de seu filho caçula, de 12 anos.
As narrativas de Stormy Daniels e Karen McDougal têm pontos em comum. Elas eram republicanas e conheceram Trump no mesmo torneio de golfe em Lago Tahoe, na Califórnia, em 2006. Trump disse a ambas, separadamente, que elas lembravam sua filha, Ivanka. As duas ainda ouviram dele que o relacionamento com Melania, que havia dado à luz seu filho Barron poucos meses antes, não ia bem. Ambas afirmam, também, que Trump não usou camisinha com elas. Mas, enquanto Karen garante que rolou sentimento mútuo e que eles se viam cinco vezes por mês, Stormy disse que o encontrou apenas duas vezes. Na primeira, Trump começou falando de si mesmo e mostrando sua foto na capa da revista Forbes. Entediada, a atriz pornô disse-lhe que alguém deveria bater nele com a revista e pediu que se virasse e abaixasse as calças. Segundo ela, o bilionário aceitou a brincadeira. Stormy enrolou a revista e deu alguns golpes no traseiro do futuro presidente. Depois, fizeram sexo. Impressionado, Trump disse que Stormy merecia atuar em seu programa O Aprendiz. O assunto ficou para ser tratado em um segundo encontro, um ano depois. A atriz afirma ter recusado sexo nessa ocasião. Ele a fez assistir a um documentário sobre ataques de tubarões. Ao final, Stormy insistiu sobre a promessa de aparecer na TV. Ele pediu mais uma semana; ela foi embora.
Especula-se que as revelações podem abalar a base eleitoral de Trump e, por tabela, os votos em republicanos nas eleições legislativas deste ano. Nada, porém, do que veio à tona traz algo novo sobre o perfil do presidente. Por isso mesmo, não parece razoável que seu eleitorado fique chocado ou espantado a ponto de lhe retirar o voto. “Soa improvável que o caso mude a opinião dos republicanos. Todos já estavam bem cientes de que Trump é mulherengo, tem um comportamento inadequado e faz comentários problemáticos”, diz o cientista político Geoffrey Skelley, da Universidade da Virgínia. O presidente poderia estar encrencado se tivesse mentido publicamente sobre sua relação com essas mulheres, como fez Bill Clinton no escândalo com a estagiária Monica Lewinsky, em 1998, que quase lhe custou o cargo — um episódio durante o qual os republicanos mostraram um nível de moralismo e assepsia sexual que agora desapareceu de suas fileiras. Trump, porém, sempre tão boquirroto no Twitter, calou-se sobre as declarações das ex-amantes. Diz Michael Gerhardt, professor de direito constitucional na Universidade da Carolina do Norte: “Ainda não há nada sério contra ele”.
Publicado em VEJA de 4 de abril de 2018, edição nº 2576