Muita gente lamentou a proposta de venda do negócio de jatos comerciais da Embraer à Boeing. Em certo sentido, tratava-se de movimento inevitável, uma vez que suas grandes rivais, Bombardier e Airbus, já fecharam uma associação no ano passado. Mas o principal problema não é perder a Embraer; é saber que não temos quase nenhuma outra empresa para entrar no seu lugar. Por que não há outros craques brasileiros na fronteira tecnológica, disputando mercados globais?
Uma reclamação comum é que falta mais esforço do governo para fortalecer empresas nacionais. Mesmo depois de ter sido privatizada, a Embraer se beneficiou de programas de apoio à exportação. Essencialmente, uma empresa americana comprava jatos Embraer com linhas de crédito do BNDES. Criou-se até um mecanismo pelo qual o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que financia o banco, receberia uma remuneração alinhada a taxas de juros internacionais, muito inferiores às praticadas no Brasil. Mas esse mesmo programa, que já era custoso, serviu para abastecer outras expansões menos nobres. Construtoras usaram o crédito do BNDES para participar de polêmicos projetos em países da África e da América Latina. Acusações de desvios de uma dessas construtoras levaram até à renúncia do presidente do Peru no início do ano. Com incentivo público, exportamos corrupção. Mais ainda, muitas políticas governamentais tiveram o efeito oposto de fazer com que as empresas se voltassem para o mercado doméstico. No caso da Embraer, de forma distinta, fonte essencial do seu sucesso deve-se à sua inserção em redes globais de produção e vendas. A maior parte dos componentes dos seus aviões vem de supridores externos. O desenvolvimento é feito por meio de parcerias de risco com fornecedores globais — totalmente em oposição às malfadadas políticas de conteúdo local, que obrigam as empresas a comprar de produtores com maior preço e menor qualidade. Vários setores no Brasil são demasiadamente fechados e assim querem ficar: só fazem pedir isenção tributária, crédito subsidiado e proteção.
A Embraer cresceu em sintonia com mercados globais. Na essência, fez produtos para aviação regional, praticamente inexistente no Brasil, antecipando mudanças importantes nesse campo. No fim dos anos 1990, o segmento de jatos de setenta a 120 lugares, que consolidou o sucesso recente da Embraer, não era visto como promissor. A empresa se aproveitou da flexibilização de regras nos Estados Unidos que limitavam a entrada de companhias aéreas nesse segmento, e passou a desenvolver um produto inovador e de alta qualidade, a família dos “E-Jets”. Infelizmente, esse é um evento raro. Quantos empresários no Brasil pensam e agem dessa forma, preparando-se para vencer partidas acirradas pelo mundo? Aqui, os cartolas setoriais e seus agentes políticos se preocupam mais em jogar no campeonato local, e, ainda assim, dar um jeitinho de influenciar as regras do jogo a seu favor.
Publicado em VEJA de 18 de julho de 2018, edição nº 2591