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Pequim joga pesado para reduzir a sua dependência tecnológica em relação às nações mais inovadoras e assim manter o motor do crescimento econômico

Por Bianca Alvarenga Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 16h25 - Publicado em 27 jul 2018, 07h00

Como tantas empresas internacionais, a americana Advanced Micro Devices (AMD), umas das maiores fabricantes de processadores do mundo, fechou parceria com uma companhia da China para ter acesso ao mercado consumidor que mais avança no mundo. A chinesa Hygon é capaz agora de produzir componentes praticamente idênticos aos da multinacional californiana. No caso, não houve pirataria. Foi uma parceria pela qual a AMD recebeu 293 milhões de dólares (ou 1,1 bilhão de reais), além do pagamento de royalties. Trata-se de um exemplo típico da estratégia usada pelos líderes chineses para abrir o seu cobiçado mercado e, ao mesmo tempo, absorver a tecnologia de ponta desenvolvida pelas companhias mais inovadoras do mundo. Para os grupos europeus e americanos, aceitar o código comercial particular dos chineses foi o preço a ser pago para faturar alguns bons bilhões a mais. Mas entrar nesse jogo trouxe um risco (talvez não propriamente calculado) que agora fica evidente. Os chineses, cada dia mais, na sua busca pelo topo do mundo, vão se livrando da dependência tecnológica internacional.

Criar inovação própria é uma das prioridades da política Made in China 2025, lançada pelo presidente Xi Jinping. As fábricas chinesas são responsáveis por um quarto de toda a produção industrial do planeta, mas boa parte das mercadorias mais elaboradas feitas pelos chineses, como os iPhones, microprocessadores, robôs ou carros de luxo, é projetada nos Estados Unidos ou na Europa. O avanço chinês nesse campo causa reações ao redor do mundo — e não apenas à maneira radical e histriônica de Donald Trump. Diversos países, entre eles os Estados Unidos, começam a erguer barreiras contra a transferência de conhecimento para a China. Por isso, os chineses, depois de terem superado os estágios iniciais do desenvolvimento industrial, agora buscam a inovação. Existe também outra razão para a potência asiática cortar a sua dependência em relação às companhias estrangeiras. Há cinco anos, Edward Snowden, o ex-técnico que vazou os segredos da Agência Nacional de Segurança, revelou que os americanos tinham um programa de invadir servidores chineses para bisbilhotar informações, algo facilitado pelo fato elementar de que os processadores são projetados pelos americanos. Desenvolvendo os próprios sistemas, os chineses têm mais controle sobre a segurança. Ironicamente, empresas chinesas de tecnologia sofrem restrições para operar nos Estados Unidos justamente por questões de segurança.

A guerra é pesada de lado a lado, mas as acusações de roubo de propriedade foram um dos pilares que levaram a Representação Comercial dos Estados Unidos, uma agência do governo americano, a recomendar a imposição de tarifas punitivas à China. O relatório concluiu que as empresas do país perdem 50 bilhões de dólares ao ano em decorrência da transferência forçada de tecnologia ou do roubo de propriedade intelectual. De fato, os chineses ainda são os grandes produtores mundiais de cópias não autorizadas, um jeito diplomático para falar de pirataria e roubo. Entre cinquenta países analisados pela Câmara Americana de Comércio, a China aparece na 25ª posição no que diz respeito à infração de marcas registradas. Outra acusação comum é de concessões de subsídios desleais, como ocorre na siderurgia. O excesso de produção de aço acaba despejado a preço baixo no mercado internacional, atingindo a indústria dos outros países.

O Brasil, ao contrário dos Estados Unidos, mantém uma balança comercial favorável com os chineses. Ainda assim, sofre os efeitos da agressividade asiática, com a manutenção, ao máximo, da criação de empregos no próprio território. Em 2017, o Brasil exportou 47 bilhões de dólares para a China, e importou 27 bilhões. Houve portanto uma folga de 20 bilhões de dólares, ao passo que os americanos acumulam déficits anuais superiores a 300 bilhões de dólares. O Brasil, entretanto, exporta basicamente soja em grãos, minério de ferro, petróleo e celulose — ou seja, produtos pouco elaborados. Enquanto isso, compra da China artigos manufaturados e eletrônicos. A soja é um exemplo de como os chineses impõem sua vontade aos parceiros comerciais. A quase totalidade de suas importações é de grãos (veja o quadro na pág. ao lado). O processo industrial para fabricar óleo e farelo para ração, que gera mais empregos, se dá todo na Ásia. “Falta uma ação diplomática mais incisiva para reverter essa situação e incentivar a exportação de produtos elaborados”, diz o economista Daniel Furlan Amaral, da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove).

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(Arte/VEJA)

As lideranças chinesas sabem que a coesão social e a manutenção do regime dependem de uma criação maciça de empregos. É isso que procuram fazer a todo custo. Mas o país acaba sendo acusado, com alguma razão, de causar desemprego em países mais desenvolvidos. Parte das queixas, entretanto, não fica mais de pé. Desde seu ingresso na Organização Mundial do Comércio (OMC), em 2001, a China precisou se enquadrar às regras internacionais. “As práticas irregulares mais grosseiras ficaram no passado”, diz Welber Barral, ex-secretário de comércio exterior. “Mas existem pontos em que os chineses precisam avançar, como na relação entre as estatais e o governo.” Os chineses, na base da chantagem, souberam absorver a tecnologia das empresas mais inovadoras do mundo. Agora Trump decidiu revidar, também na base da chantagem, em outros termos. O mundo assiste apenas a uma nova batalha de uma guerra que promete durar muitos anos.

Publicado em VEJA de 1º de agosto de 2018, edição nº 2593

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