Ritmo mais lento
O crescimento fica aquém das estimativas, e as consultorias começam a revisar para baixo as perspectivas para 2018
Pela primeira vez desde 2013, o ano havia começado com alguma dose de otimismo em relação às perspectivas da economia brasileira. Com a inflação controlada e mantida em níveis baixos e a consequente redução dos juros básicos pelo Banco Central para patamares inéditos, o cenário parecia róseo: a melhora do mercado de trabalho e a recomposição do poder de compra da população seriam motores de uma retomada digna de um crescimento em torno de 3% do produto interno bruto (PIB). A alta do consumo e os juros baixos seriam a senha para estimular a volta dos investimentos do setor privado. Os presidenciáveis governistas — o presidente Michel Temer e o então ministro da Fazenda, Henrique Meirelles — contavam com a retomada como o principal trunfo nas eleições de outubro. Mas a realidade mostrou sua carranca e desmanchou os planos. Os dados já divulgados relativos ao início do ano mostram resultados aquém do projetado de forma generalizada, o que desencadeou uma série de revisões de bancos e consultorias para as estimativas de expansão do PIB. Lamentavelmente, a alta de 3% ficou distante, e agora a regra é algo próximo de 2,5% ou até menos.
Isso se não houver novas surpresas negativas, como a vista nos indicadores do nível de consumo dos brasileiros. As vendas no varejo recuaram 0,2% em fevereiro em relação a janeiro e ficaram estáveis no acumulado em três meses. Já o setor de serviços teve uma queda de 1,8% no primeiro bimestre. De ambos os indicadores depreende-se que a população, castigada pela crise e pelo desemprego, ainda se sente pouco segura para abrir a carteira e contrair novas dívidas. “Com a crise, as famílias tiveram de fazer ajustes no orçamento e cortaram atividades que não são essenciais, como lazer e refeição fora de casa. Por outro lado, abrir mão da educação e da saúde é sempre a última opção”, afirma Silvia Matos, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre-FGV). Segundo ela, são esses serviços de lazer e alimentação que estão se recuperando em ritmo mais lento. A virada de humor fica evidente no índice mensal de atividade econômica calculado pelo Banco Central (veja o gráfico abaixo). Ele vinha em ascensão desde o fim de 2016, mas, nos últimos meses, voltou a patinar. “Em média, a atividade econômica recuperou apenas 30% do que foi perdido desde o início da recessão”, destaca a analista Thais Zara, economista-chefe da consultoria Rosenberg Associados, em um relatório recente. “Mantido o ritmo atual de avanço trimestral, levaríamos quase doze trimestres (três anos) para voltar ao patamar anterior à crise.”
Uma das razões para o desempenho abaixo do esperado é a fragilidade do mercado de trabalho. A melhora tímida, ao longo de 2017, foi puxada pelo emprego informal. Existem 13,7 milhões de trabalhadores sem ocupação. No primeiro trimestre, houve uma perda de 408 000 empregos com carteira assinada. Com rendimento em geral mais baixo do que aquele proporcionado pela vaga formal, com carteira assinada, e sem a segurança de que terão uma ocupação nos meses seguintes, muitos preferem segurar os gastos, a despeito da inflação em níveis baixos.
Os analistas do mercado financeiro parecem ter exagerado na dose de otimismo no início do ano. Imaginavam que a queda dos juros, por si só, impulsionaria o consumo. Não tem sido assim. Como as vendas não dão mostras de que vão engatar, a indústria revê as suas metas de produção para este ano. O faturamento das fábricas caiu 2,5% em março na comparação com fevereiro, enquanto o nível de emprego recuou 0,2%, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Foi um resultado atípico para março, mês que costuma registrar atividade industrial mais intensa.
O consumo represado é apenas um dos fatores que limitam a retomada industrial. A indefinição na corrida presidencial — sobre os candidatos e seus programas de governo — faz empresários e executivos adiar contratações e decisões de investimento de médio e longo prazos. Com isso, novos projetos, como a expansão de unidades de produção e compras de equipamentos, tendem a ficar em banho-maria, à espera de um cenário menos turvo. Um impulso para a recuperação poderia vir da União, que ainda pode liberar 6,8 bilhões de reais só em emendas parlamentares antes das eleições, fora a previsão de 54 bilhões de reais em investimentos para o ano inteiro. Mas a frágil situação fiscal do poder público, com despesas que já superam com folga as receitas, impede que mesmo todos esses investimentos possam ser realizados. Só no primeiro bimestre deste ano, a União deixou de investir 11% em comparação com o mesmo período de 2017 (ou seja, já em cima de uma base deprimida), segundo a ONG Contas Abertas, especializada na análise do orçamento federal. Tudo somado, o cenário de crescimento está mantido, mas será ainda menor do que o projetado.
De acordo com a queixa dos industriais, existe outro obstáculo que impede a retomada: os juros extremamente elevados, tanto para os consumidores quanto para as empresas. O Banco Central reduziu a taxa básica de referência, a Selic, para 6,5%, o menor nível da história. Mas os juros comerciais não caíram na mesma proporção. A taxa média cobrada de pessoas físicas estava em 57,2% em março; para pessoas jurídicas era de 21,2%. Houve uma redução ante os patamares atingidos em 2016. Ainda assim, são taxas semelhantes às praticadas pelos bancos em maio de 2015, quando a Selic estava em 13,25% ao ano, mais do que o dobro do patamar vigente. O BC, em análise divulgada na semana passada, diz que existe uma defasagem na transmissão do custo menor da Selic para as taxas comerciais cobradas pelos bancos. O presidente da instituição, Ilan Goldfajn, tem afirmado que não é hora de precipitações. O fundamental é criar as condições necessárias para o barateamento do crédito. Entre as medidas apresentadas para chegar lá está o cadastro positivo, que vai servir como um registro que mostrará um histórico de contas e dívidas em dia dos brasileiros. O acesso a tais dados deve propiciar condições para que os bancos concedam empréstimos com juros mais baixos aos bons pagadores. A falta de informação sobre o tomador de crédito é apontada como uma das razões que explicam o custo pesado dos juros. Em paralelo, o BC vem estudando meios de ampliar a concorrência entre as instituições financeiras. Para os bancos, seria positivo se fosse agilizado o processo de recuperação de ativos, no caso de inadimplência. Quanto maior a dificuldade de exercer as garantias, maiores os juros, argumentam.
Sem avanços nos ajustes econômicos, como os iniciados no setor financeiro e os que mal começaram nas finanças públicas, o crescimento tende a continuar patinando em níveis inferiores. O Brasil seguirá dependente de ciclos favoráveis no cenário externo, sobre os quais o país, obviamente, não tem nenhum controle. Com relação a esse aspecto, para completar o mau período, acendeu-se a luz amarela: a cotação do dólar se aproxima de 3,60 reais, o maior valor em dois anos, um sintoma da retração na confiança depositada pelos investidores nas perspectivas para o país.
Publicado em VEJA de 9 de maio de 2018, edição nº 2581