“Somente Deus, que me elegeu, pode me tirar daqui”, disse Robert Mugabe às vésperas do segundo turno da eleição presidencial de 2008 no Zimbábue — uma marmelada, pois seu adversário foi preso diversas vezes ao longo da campanha. Desde 1980, quando se tornou primeiro-ministro, Mugabe governou com mão de ferro. Resguardado pela apatia de outros governos da África, ele expulsou fazendeiros brancos e criou esquadrões da morte para assassinar rivais e seus familiares, queimados ou a golpes de facão. Seu país é um desastre: o desemprego é de 95%; 14% da população é portadora do vírus HIV; e a inflação é de 348% ao ano (só menor que a venezuelana, de 1 400%). Aos 93 anos, Mugabe era o mais velho ditador africano. Na quarta-feira 15, não foi Deus, e sim o Exército, que o pôs em prisão domiciliar e o forçou a ceder o comando.
O erro do ditador foi menosprezar o apoio que tinha dos militares. Nos últimos anos, ele transferiu várias atribuições a sua mulher, Grace, que foi sua secretária no governo e com quem se casou em 1996 — ela aos 31 anos, ele aos 72. Muitos fardados que estavam com Mugabe desde o começo passaram a se preocupar com o risco de o presidente dar à ditadura um caráter hereditário, indicando Grace como sua sucessora. Apelidada de “Gucci Grace”, por usar roupas da grife, ela é prepotente e autoritária. Neste ano, foi acusada de surrar uma modelo sul-africana com um fio elétrico em um hotel de Joanesburgo, na África do Sul. Foi Grace quem arquitetou a demissão, há duas semanas, do vice, Emmerson Mnangagwa, que também pretendia se tornar ditador. Como o vice tinha boas relações com os militares, o golpe apareceu no horizonte como inevitável.
Publicado em VEJA de 22 de novembro de 2017, edição nº 2557