Em certas situações, há uma diferença abissal entre o que os políticos dizem em público e o que armam nos bastidores. Na quarta-feira 29, o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, declarou que o presidente Michel Temer não tem a pretensão de disputar a reeleição: “O presidente diz, desde sempre, que cumprirá sua missão se conseguir colocar o Brasil nos trilhos. E, graças a Deus, o Brasil está começando a andar nos trilhos”. Nos gabinetes de Brasília, no entanto, o mesmo Padilha aparece como entusiasta da candidatura de Temer à reeleição. Seu principal parceiro nesse projeto é o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco. Para a dupla, Temer, o mandatário mais impopular desde a redemocratização do país, pode conquistar um novo mandato se reerguer a economia. O crescimento do PIB e do nível de emprego transformaria a rejeição recorde de hoje em votos em 2018.
Não é só a economia que alimenta esse sonho eleitoral. Acusados de cobrar propina, Padilha e Moreira, identificados como “Primo” e “Gato Angorá” nas planilhas da Odebrecht, apostam na reeleição para que eles mesmos, além de Temer, preservem o foro privilegiado. O governo deu o Ministério das Cidades ao chamado centrão, o grupo fisiológico que hoje dá as cartas na Câmara, não apenas para manter viva a chance de aprovar a reforma da Previdência, mas para começar a costura de uma ampla coligação eleitoral. Com a iminente debandada do PSDB, o governo quer ter um candidato que defenda seu legado na eleição. Essa figura pode ser o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, do DEM, ou o próprio Temer. O tempo e as pesquisas se encarregariam de apurar o processo de escolha.
Temer e Padilha nunca foram campeões de votos, mas sempre se mostraram especialistas na arte de conquistar poder. Escalados para tocar a articulação política do governo Dilma, eles usaram o mapa de votos no Congresso para derrubá-la. Empossados no comando do país, entregaram-se ao toma lá dá cá a fim de se safar das denúncias na Lava-Jato. O presidente e seus principais ministros estão certos de que o pior já passou. Superada a tempestade, não haveria razão para eles abrirem mão, desde já, de uma temporada de bonança. A candidatura à reeleição de Temer só está descartada nos discursos oficiais.
Publicado em VEJA de 6 de dezembro de 2017, edição nº 2559