Pendurada a uma corda de kevlar, material dos capacetes à prova de balas e dos pneus de Fórmula 1, a médica e aventureira paulistana Karina Oliani atravessou a cratera do Monte Erta Ale, um vulcão ativo no nordeste da Etiópia. No dia 3 de dezembro, ela cruzou um espaço de 90 metros auxiliada por roldanas, em uma espécie de tirolesa na horizontal. Para sair do lugar, Karina precisava puxar a corda com as duas mãos. Sua roupa prateada, que lembra a de um astronauta, foi produzida com o mesmo material usado nos equipamentos de bombeiro para combater o fogo. Trata-se de um feito inédito. “O calor oscilava demais de acordo com os ciclos do vulcão. Quando ocorriam explosões e vinham aquelas ondas de lava fervilhante, as temperaturas chegavam a 150 ou 200 graus”, diz Karina, que também foi a primeira mulher sul-americana a escalar o Everest pelas duas faces (a norte e a sul). Há mais de uma década ela roda o mundo em busca de novas proezas.
A conquista na Etiópia se enquadra na moldura das aventuras modernas. Com a superfície do planeta toda esquadrinhada por aparelhos de localização por satélite, praticamente não há mais coordenadas que nunca receberam a presença humana. Todos os grandes picos do mundo já foram escalados. Somente certas áreas de selva fechada e as grandes profundezas do oceano, que têm altíssima pressão, seguem inexploradas. Alguns rincões do planeta acabaram até banalizados, caso do Pico do Everest. Em 1953, o neozelandês Edmund Hillary e o xerpa Tenzing Norgay chegaram ao cume com a ajuda de uma expedição com mais de 300 profissionais. A notícia correu o mundo e a dupla entrou para a história. Isso é passado. Em 2017, 648 pessoas estiveram no topo do Everest, e nenhuma chamou atenção pela proeza. Para tanto, atualmente bastam um bom preparo físico e a disposição de desembolsar o valor de um carro. Essa mudança de panorama fez com que os aventureiros do século XXI recorressem a novas formas para ser reconhecidos. Hoje, procura-se aliar a resistência corporal ao uso inteligente da tecnologia. Sem a corda de kevlar, que foi comprada por um especialista canadense e despachada para a Etiópia, Karina não teria alcançado sua meta. “Quando comecei a consultar os especialistas sobre a expedição, todos me diziam que não seria possível”, diz ela.
O planejamento exaustivo para minimizar os riscos continua fundamental. Se o corpo de Karina se superaquecesse e ela desmaiasse, ou tivesse as mãos queimadas, seria possível puxá-la com outra corda, presa a um cinto que faz as vezes de uma pequena cadeira. Em seus preparativos, o cuidado da médica e de sua equipe lembra o do navegador Amyr Klink, que em 1984 atravessou o Oceano Atlântico em um barco a remo, aproveitando-se das correntes marítimas. Nas três décadas de distância entre as duas empreitadas, um fator pouco glamouroso foi adicionado às peripécias: a burocracia. Com a multiplicação de aventureiros e a possibilidade de lucrar com eles, as autoridades tornaram-se mais rigorosas com as licenças. “Não sei se vou mais duas ou três vezes para a Antártica, porque agora eu teria de me cadastrar como operador turístico. Acabou aquela coisa de subir em um barco e ir embora. Tudo ficou muito burocrático”, diz Klink. Karina também reclama dos vistos e das autorizações. Ao circularem pela Etiópia, ela e seu time tiveram de ser acompanhados por homens armados com fuzis. A essência de toda aventura, claro, ainda permanece no ar.
Publicado em VEJA de 24 de janeiro de 2018, edição nº 2566