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Vexame olímpico

A investigação internacional sobre compra de voto para fazer a Olimpíada de 2016 no Rio chega ao Brasil e atropela o presidente do COB, Carlos Arthur Nuzman

Por Thiago Prado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 8 set 2017, 06h00 - Publicado em 8 set 2017, 06h00
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  • Tudo começou com uma investigação, pelo Ministério Público francês, de ramificações na França do gigantesco esquema de corrupção que sustentou e acobertou o uso sistemático de doping pelos atletas da Rússia. Ao quebrar o sigilo bancário dos envolvidos na falcatrua da contrafação química, a força-tarefa abriu a porta de outro escândalo: o da compra de votos no processo que elegeu o Rio como cidade-sede da Olimpíada de 2016. Na terça-feira 5, a trama desembarcou na capital fluminense. Em uma operação conjunta de agentes franceses e brasileiros, a Polícia Federal cumpriu mandados de prisão preventiva contra os supostos financiadores da negociata, o empreiteiro Arthur Soares (foragido até a quinta-feira 7) e a sócia dele, Eliane Cavalcante (já detida), e intimou a prestar depoimento o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Carlos Arthur Nuzman, suspeito de ser o elo da transação. Os três envolvidos na Operação Unfair Play (jogo sujo, em inglês) tiveram os bens bloqueados. De Nuzman foram apreendidos os três passaportes — brasileiro, diplomático e russo — e 480 000 reais em espécie achados em sua casa.

    “A compra de votos é um vexame que afeta nossa imagem internacional”, disse o procurador Eduardo El Hage, coordenador da Unfair Play. Ressalve-se que a imundície olímpica não é apenas carioca. A trilha do dinheiro seguida pelos franceses aponta compra de votos na escolha de Sochi, na Rússia, para os Jogos de Inverno de 2014 e de Tóquio para a Olimpíada de 2020. O fio da meada da compra de votos começou a ser puxado na França ao entrelaçar dois personagens que, ao que tudo indica, nem se conhecem. De um lado do balcão estava Arthur Soares, o “rei Arthur”, alvo da Lava-Jato por ter embolsado 3 bilhões de reais em contratos com o megacorrupto governo de Sérgio Cabral. Do outro, os senegaleses Lamine e Papa Diack, pai e filho. O pai presidiu a Federação Internacional de Atletismo (daí a França ter chegado a ele) por dezesseis anos, até novembro de 2015, quando se expuseram seus negócios. No COI, Lamine Diack liderava uma espécie de bancada africana, que seguia seus votos.

    COMPRA E VENDA – Protagonistas: o empreiteiro Soares (à esq.) operou uma transferência não explicada de milhões de dólares para contas do senegalês Papa Diack (acima)
    COMPRA E VENDA – Protagonistas: o empreiteiro Soares (à esq.) operou uma transferência não explicada de milhões de dólares para contas do senegalês Papa Diack (à dir) (Seyllou/AFP)

    A quebra de sigilo bancário dos três uniu os pontos. Soares mantinha uma conta chamada Matlock no banco EVG, em Antígua e Barbuda, paraíso fiscal no Caribe, especificamente para forrar outra conta no mesmo banco, esta de Cabral. Forrar bem: 10,4 milhões de dólares foram transferidos da Matlock para o ex-governador. Os franceses constataram que, em setembro de 2009, o “rei Arthur” tentou passar 2 milhões de dólares da mesma Matlock para uma conta do banco francês Société Générale em nome de Papa Diack. Detalhe: o dinheiro veio da porcentagem de Cabral — ou seja, o ex-governador, magnanimamente, usou do próprio suborno para subornar outros. A operação foi rejeitada pelo banco. Soares tentou de novo, e fez-se a transferência para Diack em bancos no Senegal e na Rússia. Três dias depois, em 2 de outubro, a delegação brasileira em Copenhague, tendo à frente Cabral e o presidente Lula, explodiria de alegria ao ver o Rio, na terceira votação, levar os Jogos de 2016.

    O placar final foi folgado: 66 votos contra 32 para Madri. Mas nas etapas anteriores os brasileiros tremeram. Na primeira, o Rio perdeu para Madri por 28 a 26. “Cabral chegou a passar mal no hotel quando notou que havia a chance de derrota. Mas ele sempre dizia que o Nuzman estava ‘cuidando’ da África”, relatou a VEJA um membro da delegação brasileira daquela noite decisiva. O presidente do COB acabou na mira dos investigadores por causa do depoimento de um desafeto, Eric Maleson, ex-presidente da Federação Brasileira de Esportes no Gelo e uma figura controversa. Em 2012, Maleson foi afastado do cargo por desvios. Diz ter sido vítima de perseguição da cúpula do COB por não se calar diante das irregularidades. “Se um dirigente esportivo faz alguma denúncia contra o Nuzman, ele é caçado, destruído politicamente, perde verba e o cargo”, disse Maleson a VEJA.

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    Partiu de Maleson a iniciativa de procurar o Ministério Público francês, a quem detalhou várias acusações contra Nuzman. Uma delas: um funcionário da prefeitura carioca que viajava com Nuzman para a Europa contou-lhe de um encontro do cartola com delegações africanas, pouco antes da votação de Copenhague, em que se tratou de dinheiro. Outra: o presidente do COB ganhou um passaporte russo por ter votado a favor de Sochi. Segundo um trecho inédito do depoimento ao qual VEJA teve acesso, Maleson foi à PF no Rio, em 2012, para denunciar o COB, e uma operação, a Cabo de Guerra, foi montada. Teria sido cancelada por ordens superiores. Maleson implica outros dois nomes nos atos ilícitos: o desembargador Luiz Zveiter, ex-presidente do Tribunal de Justiça do Rio, e Edson Menezes, ex-homem forte das finanças do COB. É um vexame olímpico.

    Com reportagem de Rafael Valesi

    Publicado em VEJA de 13 de setembro de 2017, edição nº 2547

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