Um homem americano precisou recorrer a um transplante de fígado emergencial depois de manter uma rotina diária de ingestão de suplementos de chá verde por quase três meses. Na época com 50 anos, Jim McCants fazia de tudo para garantir uma vida saudável, praticando atividade física todos os dias e cuidando da alimentação. No entanto, durante a formatura de seu filho mais novo, Cathleen, esposa de McCants, notou que ele estava com a aparência amarelada.
Logo após a cerimônia, McCants foi internado com suspeita de lesão hepática. Os médicos buscaram averiguar a causa do problema, descartando imediatamente o álcool já que McCants garantiu que nos últimos 30 anos havia ingerido – talvez – seis latas de cerveja por ano e nada de vinho. Outra hipótese descartada foi o tabagismo, pois ele nunca foi fumante. A partir daí, o hepatologista responsável por seu caso, perguntou sobre a ingestão de suplementos alimentares sem receita – que de fato faziam parte da sua rotina.
Como parte do seu projeto de saúde, ele começou a tomar suplementos de chá verde porque ‘ouviu dizer’ que atuavam na prevenção de doenças cardíacas. Esse tipo de intervenção têm se tornado popular, especialmente com a compra facilitada pela internet. Os suplementos são vendidos como produtos com benefícios antioxidantes, que supostamente poderiam ajudar na perda de peso e prevenir o câncer. Mas, segundo o seu prontuário, a única consequência da ingestão do suplemento foi a lesão no fígado. “Foi chocante porque eu só tinha ouvido falar sobre os benefícios. Nunca soube de nenhum problema”, disse McCants à BBC.
Necessidade do transplante
Depois da internação, foi necessário aguardar pelo resultados de uma série de exames de sangue que indicariam a gravidade do problema. A resposta veio cerca de três semanas após sua esposa notar as mudanças: a necessidade de um transplante de fígado emergencial. De acordo com a médica que fez o diagnóstico, McCants teria apenas dias de vida (menos de uma semana) caso não conseguisse a doação. “Tudo isso parecia muito sombrio para mim”, contou. Felizmente para ele, o doador apareceu no dia seguinte.
Embora o transplante tenha salvado a vida dele, quatro anos depois McCants ainda tem sérios problemas de saúde, incluindo doença renal que no futuro pode colocá-lo na lista de transplante de rins. Além disso, o americano sofre com uma dor abdominal crônica. “Minha vida antes era muito ativa. Agora é bem mais sedentária e luto contra a fadiga”, revelou.
Suplementos
Os cientistas ainda não são capazes de explicar porque algumas pessoas encontram benefícios no consumo dos suplementos de chá verde e outras podem ser prejudicadas, dependendo da dosagem. Como o chá verde é consumido há milhares de anos, os suplementos – que trazem a forma concentrada – são regulamentados nos EUA e na Europa como alimentos, e não medicamentos. Ou seja, não é preciso testes de seguranças específicos para que possam chegar ao mercado. Isso indica também que a perspectiva científica de como podem afetar nossa saúde é inconclusiva.
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou este ano uma regulamentação inédita dos suplementos alimentares, que deve definir os requisitos sanitários gerais, incluindo regras de composição, qualidade, segurança e rotulagem. A medida busca reduzir a quantidade de informações destoantes no mercado, especialmente em relação à veiculação de alegações sem comprovação científica, permitindo, assim, que os consumidores tenham acesso a produtos seguros e de qualidade.
Catequinas
A preocupação com esse tipo de suplemento está na presença de um ingrediente potencialmente tóxico chamado epigalocatequina-3-galato (EGCG), conhecido também como catequinas, que é um composto natural com propriedades antioxidantes mais abundante no chá verde. De acordo com especialistas, a genética e a forma como os suplementos são adicionados na alimentação são alguns dos fatores que deixam o indivíduo mais suscetível às ameaças do EGCG.
Um estudo recente realizado pela Autoridade Europeia de Segurança Alimentar (EFSA, na sigla em inglês) apontou que as catequinas presentes em bebidas a base de chá verde são “geralmente seguras”, porém se utilizadas como suplementos, doses de 800mg ou mais por dia “podem causar problemas de saúde”. Para Herbert Bonkovsky, da Escola de Medicina da Universidade Wake Forest, nos Estados Unidos, a quantidade realmente é um fator determinante para o surgimento de problemas de saúde.
“Se você toma quantidades pequenas de chá verde, não tem problema. O risco maior é para quem consome extratos mais concentrados”, alertou à BBC. Ainda assim, a EFSA não conseguiu determinar qual seria a dose mais segura com os dados disponível e sugeriu a realização de mais estudos para esclarecer a questão.
O perigo também reside no fato de que, como o chá verde é muito utilizado para perda de peso, muitas pessoas o tomam e ficam sem comer. “Nós sabemos, a partir de estudos realizados com animais, que animais em jejum absorvem um percentual muito maior de catequina do que animais bem alimentados. Pode haver outros fatores relacionados a medicamentos, outros produtos químicos e consumo de álcool, que também são importantes fatores de alteração”, esclareceu Bonkovsky.
Antioxidantes
Outro suposto benefício do suplementos de chá verde são a entrega de antioxidantes – um grupo de vitaminas e outros compostos -, capazes de combater os radicais livres – moléculas produzidas nas células à medida que transformam oxigênio e alimento em energia. Por causa dessa propriedade “milagrosa”, o mercado global de suplementos chega a ganhar mais de 500 bilhões de reais por ano.
Entretanto, alguns pesquisadores alertam que muitos radicais livres podem, na verdade, danificar as células. Na década de 1950, por exemplo, Denham Harman, um cientista americano, lançou uma teoria que colocava os radicais livres como estimuladores dos processo de envelhecimento, podendo levar a doenças. Apesar disso, nos últimos anos parte da comunidade científica acreditam que determinados níveis de radicais livres podem trazer benefícios à saúde.
Outros casos
Milhões de pessoas consomem suplementos de chá verde sem apresentar qualquer problema, mas essa não é a realidade para alguns indivíduos: pelo menos 80 casos de lesões hepáticas (incluindo lassidão, icterícia e necessidade de transplante de fígado) foram conectadas ao uso do produto ao redor do mundo, de acordo com informações da BBC. A doença pode se manifestar em qualquer idade, como foi o caso da canadense Madeline Papineau, de 17 anos, que desenvolveu lesão hepática; ou de uma mulher de 81 anos diagnosticada com hepatite tóxica aguda.
“Eu não esperava qualquer perigo. Imaginava que poderia ser um desperdício de dinheiro, que eu poderia tomar e não fazer efeito. E aceitei correr esse risco. Mas desenvolver falência hepática é um risco alto demais para alguém topar”, lamentou McCants.
Agora, ele está processando a empresa americana Vitacost, que vende o suplemento de chá verde que ele tomava. Ele disse esperar que a companhia coloque uma advertência no rótulo e no site para que as pessoas saibam os riscos antes de comprá-lo. Em resposta à BBC, a Vitacost disse levar “muito a sério a segurança dos suplementos da marca Vitacost” e defendem a qualidade dos produtos.