Aquecimento global cria cenário perfeito para um perigo: os mosquitos
Insetos transmissores de dengue e companhia reinam por aí, disseminando vírus que já estão em alta no país
“Ele dominou o planeta por 190 milhões de anos e matou com uma potência inabalável durante a maior parte de seu reinado de terror (…) ao longo das eras, impôs sua vontade à raça humana e determinou os rumos da história”, escreve o professor americano Timothy Winegard em Mosquito (Intrínseca), um livro protagonizado por aquele que, “mesmo diante da ciência moderna, se mantém como o animal mais nocivo para a humanidade”. O tom do historiador soa apocalíptico, mas, com as mudanças climáticas e o aumento da temperatura global — evidentes nas recentes ondas de calor —, é de esperar que não tenhamos refresco com esses insetos, tão perigosos por causa dos microrganismos que carregam e disseminam entre nós.
Doenças propagadas por mosquitos, especialmente o nosso conhecido Aedes aegypti, foram um dos principais temas do Congresso Brasileiro de Infectologia, em Salvador. Os números da dengue, a principal mazela viral provocada pela picada do inseto no país, atingiram índices alarmantes. Em 2022, estima-se que tenham ocorrido 1,5 milhão de casos e mais de 1 000 mortes pela doença. E, neste ano, só até agora, foram outros 1 000 óbitos registrados — nunca se morreu tanto de dengue por aqui. Com a urbanização descontrolada, a destruição ambiental e as transformações climáticas, o inseto se alastrou por todas as regiões, e já se encara como improvável sua eliminação. O tempo, pelo contrário, está propício para ele. “Com os extremos de temperatura, e o calor, o Aedes não só consegue se reproduzir melhor como se torna mais ativo, espalhando ainda mais o vírus”, diz o infectologista Kleber Luz, coordenador do Comitê de Arboviroses da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI). Uma nova e eficaz vacina contra a dengue chegou ao Brasil, mas, por enquanto, só está disponível em clínicas privadas.
A dengue é uma das chamadas arboviroses, o grupo viral que costuma pegar carona nos mosquitos. A chikungunya é outra dessas fontes de preocupação: o número de episódios decolou em alguns estados, como Minas Gerais. “Não bastasse deixar sequelas como dor e rigidez nas articulações, um quadro por vezes incapacitante, estamos vendo mais mortes pela doença”, afirma Luz. No vizinho Paraguai, foram notificadas pelo menos 300 mortes por chikungunya, uma enfermidade para a qual não há imunizantes aprovados. E a história não se encerra aí: na lista de males distribuídos pelo Aedes, ainda constam o vírus da zika (preocupante para gestantes, devido ao perigo da microcefalia em bebês) e o da febre amarela.
A ameaça da dengue e seus comparsas tampouco se restringe ao Brasil. Fez soar um alerta da Organização Mundial da Saúde (OMS), que bate na tecla da influência das mudanças climáticas na circulação do mosquito. Com um adendo: hoje, metade da população do globo está na zona de risco para a doença. E antes a encrenca se resumisse ao Aedes aegypti. Um “primo” dele, o Aedes albopictus, tem ganhado terreno no Brasil, sendo também capaz de nos bombardear com as tais arboviroses. “Era um inseto mais restrito às matas, mas que está avançando sobre os centros urbanos. E, diferentemente do Aedes aegypti, voa em nuvens”, diz Luz. Não por acaso, as descrições dos experts evocam pragas bíblicas.
É claro que não dá para ficar de braços cruzados com um quadro catastrófico como esse. E, de fato, muitos cientistas têm quebrado a cabeça buscando formular vacinas e novas estratégias para deter os mosquitos em si. Mas não adianta mirar o micro e se esquecer do macro: cuidar da saúde do planeta é indissociável do controle dessas moléstias. Moléstias que, ao lado da malária (esta transmitida por outro mosquito, o Anopheles), já tiram o sono de autoridades na Europa e nos Estados Unidos. Afinal, se o clima continuar esquentando, vai voar mosquito para tudo quanto é lado.
Publicado em VEJA de 29 de setembro de 2023, edição nº 2861