A depressão na adolescência tem recebido atenção desde a estreia da série ’13 Reasons Why’, da Netflix e dos casos de suicídio envolvendo o ‘desafio da Baleia Azul‘. Apesar das controvérsias sobre a exposição do tema, o problema veio à tona e chamou atenção da sociedade, inclusive dos jovens vulneráveis, para a busca de ajuda psicológica.
Depois de receber relatos de abuso, automutilação e tentativas de suicídio de mais de 2.600 adolescentes pelo Brasil, a Vittude, uma startup brasileira, desenvolveu uma plataforma em que é possível encontrar psicólogos e agendar consultas gratuitas. Ao todo, 2.500 psicólogos participam de uma campanha para ajudar a prevenir o suicídio e incentivar a psicoterapia entre jovens vulneráveis.
Consultas
Com psicólogos participantes de diversos lugares do Brasil e de países vizinhos, como Argentina e Peru, as consultas voluntárias são oferecidas de duas formas: presencial e on-line, especialmente para pacientes de lugares afastados dos centros urbanos.
Desde maio, quando a campanha começou, até o momento, a equipe conectou cerca de 200 pessoas para o atendimento sem custo e o propósito é aumentar esse alcance. “Estamos repensando algumas estratégias e decidimos manter o atendimento gratuito por tempo indeterminado para todas as pessoas que precisam de atendimento psicológico e não possuem condições de pagar pela consulta”, afirmou Tatiana Pimenta, uma das fundadoras da Vittude. “Nossa recomendação é que o psicólogo realize um ou dois atendimentos gratuitos, com o objetivo de avaliar a severidade de cada caso.”
Para quem deseja marcar consultas fora do programa voluntário, o pagamento é realizado através de cartão de crédito dentro da plataforma, com a possibilidade de pedir recibo para reembolso ao plano de saúde. O valor médio de cada consulta é de 110 reais por sessão (50 minutos).
Iniciativa
Em maio, pouco depois da estreia da série, o site da plataforma caiu devido ao aumento inesperado de visitas. A empresa recebeu relatos de cerca de 2.600 jovens sobre automutilação, desejo de pôr fim à própria vida, sentimentos de tristeza profunda, abusos e agressões, muitos deles menores de idade.
“Ao assistir a série, jovens que viveram situações semelhantes acabam se identificando com a personagem e, em alguns casos, podem enxergar a solução [suicídio] da Hannah como uma possível alternativa para sua própria dor”, disse Tatiana.
“Recebemos relatos de meninas que foram abusadas sexualmente anos atrás e vivem em conflito por causa disso. O mesmo acontece em situações de violência doméstica, abuso de drogas e álcool dentro de casa, distanciamento dos pais e até mesmo o bullying na escola.”
A situação fez com que os fundadores criassem a campanha de atendimento voluntário ‘Adolescentes em Risco’ na qual profissionais atendem gratuitamente esses jovens. “Criamos uma página pedindo ajuda de psicólogos em todo país, publicamos no Facebook e essa postagem ‘viralizou’. Chegamos a 1,6 milhões de visualizações e recebemos o cadastro de 2.500 psicólogos”, disse Tatiana.
“O suicídio em jovens tem aumentado em todo o mundo, incluindo o Brasil, assim como os casos de automutilação”, disse Humberto Correa, pesquisador e professor de psiquiatria da Universidade Federal de Minas Gerais. “Adolescentes estão consumindo álcool e outras drogas cada vez mais cedo. Sabemos que isso aumenta o risco de suicídio.”
Além de um estilo de vida de risco, o aumento da incidência de doenças psiquiátricas, particularmente a depressão, pode estar relacionado ao aumento de casos de suicídio. A grande dificuldade está no fato de que muitos desses adolescentes não compartilham seu sofrimento com os pais, por medo de repressão ou ridicularização da família, o que pode impedi-los de realizar o tratamento. O Conselho Federal de Psicologia proíbe que o atendimento a menores sem a autorização dos pais.
“Poucos laços sociais são classicamente associados a mais suicídios. Vivemos em uma sociedade que está cada vez mais competitiva e individualista e em que, paradoxalmente, os contatos e relações humanas são substituídas por relações virtuais, que não têm a mesma qualidade”, explicou Correa.
Em risco
No blog da Vittude, existe a possibilidade de fazer um teste, com base no questionário DASS-21 de avaliação clínica, para calcular o nível de depressão, ansiedade e stress. Apesar de não indicar um diagnóstico conclusivo, os resultados obtidos chamam a atenção. “Temos em nossa base pouco mais de 20.000 e-mails de pessoas que realizaram o teste de depressão. Os resultados apontam para quase 13.000 pessoas com depressão ou ansiedade extremamente severas.”
Nos últimos dois meses, a empresa produziu artigos, e-books, vídeos e materiais de apoio com o foco nos adolescentes vulneráveis e familiares. “[Em um vídeo], a psicóloga fala com os pais sobre a importância do diálogo, do acolhimento e da aproximação com os filhos adolescentes”, disse a criadora.
Suporte
Além do agendamento de consultas, a Vittude conta com um chat de suporte – operado pela equipe e por psicólogos voluntários – para ajudar no encaminhamento de pacientes. “Nossa equipe de suporte interage diariamente com as pessoas que enviam mensagens, e-mails e nos acionam pelas redes sociais. Deixamos os psicólogos à vontade para seguirem com as melhores opções que eles tiverem à disposição.”
Em alguns casos, as recomendações vão além da plataforma. “Temos psicólogos que estão atendendo pacientes há dois meses sem custo, outros que combinaram valores muito simbólicos. Há casos em que o voluntário também trabalha na rede pública e conseguiu levar o jovem para o SUS e outros que encaminharam para clínicas sociais da região.”, contou Tatiana.
Segundo Humberto Correa, apesar da abordagem delicada, o Conselho Federal de Psicologia possui normas sobre o atendimento psicológico virtual. Já em casos que envolvem acompanhamento psiquiátrico, o atendimento virtual não é possível, nem desejável.
Busca por ajuda
Segundo dados do Mapa da Violência 2017, do Ministério da Saúde, nos últimos 15 anos a taxa de suicídio entre adolescentes subiu cerca de 10% no Brasil. No entanto, os motivos por trás desse aumento continuam sendo um tabu. Para Tatiana, essa discussão precisa ir além de depressão e do suicídio, pois está ligada aos fatores ou gatilhos que provocam o quadro depressivo.
Atitudes como isolamento repentino ou sinais de tristeza dos adolescentes podem indicar um quadro depressivo. É preciso compreender e ouvir, a negação ou a bronca apenas pioram essa relação. “Mais do que ficar atento aos sinais, é preciso retomar o contato e a convivência familiar. É cada vez mais comum deparar-me com famílias que pouco interagem ou que entraram num sistema de ‘cada um no seu canto’. Isso enfraquece o vínculo, e faz com que o adolescente perca a referência ou não consiga confiar em seus pais.”, concluiu Tatiana.