Diz a lenda que, há pouco mais de 5 000 anos, o imperador chinês Shen Nung fervia água para beber quando folhas de uma árvore caíram na panela de barro — e aquela infusão, confortável, acolhedora, calorosa, nunca mais abandonou o cotidiano da China. Chegou à Europa, depois às Américas, e rapidamente foi celebrada como terapêutica. No século VIII, o monge budista Lu Yu escreveu o primeiro tratado destinado a relacionar o paladar com o bem-estar promovido pela bebida. “O chá prepara o espírito e harmoniza a mente. Dissipa a lassidão e alivia a fadiga. Desperta o pensamento e previne a sonolência”, escreveu Yu. A milenar percepção, cantada em verso e prosa, ganhou agora extraordinário amparo científico. Em poucas palavras: chá-verde é remédio. Um estudo realizado pela Academia Chinesa de Ciências Médicas de Pequim, com mais de 100 000 homens e mulheres com idade média de 50 anos, de quinze províncias, acompanhados ao longo de dezessete anos, chegou a conclusões promissoras, para dizer o mínimo: o consumo de três xícaras da bebida por semana durante oito anos tem potencial para reduzir o risco de morte por doenças cardiovasculares, como derrame e infarto, em 56% (veja o quadro abaixo).
O resultado foi avalizado pela Sociedade Europeia de Cardiologia e publicado recentemente. “Poucos alimentos provocam efeitos tão nítidos e positivos quanto o chá”, diz Antonio Carlos do Nascimento, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia e da Sociedade Americana de Endocrinologia. O mecanismo saudável é deflagrado pelo polifenol, composto que na natureza tem a função de dar cor aos alimentos e funciona também como defesa contra parasitas e predadores. No corpo humano, ele atua como um potente antioxidante. É ferramenta vital para combater os radicais livres, as moléculas tóxicas que alteram o DNA celular, atalho para o envelhecimento do corpo e a formação de placas de gordura nas artérias — origem das doenças cardiovasculares.
Há 500 tipos de polifenol encontrados em 400 alimentos, como o café, o mirtilo, o morango, o repolho roxo e as uvas. No chá-verde, contudo, além de estarem presentes em farta quantidade, os polifenóis têm um efeito mais intenso no organismo — pela estrutura química, suas moléculas são absorvidas de forma mais fácil. Os pesquisadores chineses não encontraram os mesmos benefícios, por exemplo, no chá-preto, também rico em polifenóis. Nesse caso, a explicação dos diferentes frutos de cada modalidade está atrelada à forma de preparo. “O chá-preto é fermentado depois da colheita, o que pode fazer com que os polifenóis percam a qualidade”, diz o nutricionista Dongfeng Gu, um dos autores do estudo. No chá-verde, as plantas são fervidas. O modo correto de consumi-lo é na forma in natura. Nas versões em saquinho, evidentemente mais práticas, criação do século XX, pode haver mistura com galhos e outras plantas inadequadas, o que não é bom do ponto de vista da pureza do produto.
Os polifenóis, que recebem os louros da hora, começaram a ser conhecidos na década de 90, quando o resveratrol, presente no vinho tinto, ganhou popularidade ao ser apontado como a causa do chamado “paradoxo francês”. A expressão foi usada para explicar a aparente contradição existente entre a alimentação dos franceses (recheada de gordura), bem como seus hábitos (alto índice de fumantes), e a boa saúde. Uma das hipóteses levantadas seria o consumo frequente de vinho tinto — bebem-se na França 51 litros per capita por ano. No Brasil, 2 litros. O álcool do vinho, no entanto, sempre limitará seu consumo a duas taças por dia para os homens e uma para as mulheres. Eis uma interessantíssima vantagem do chá-verde.
Depois da água, o chá é a bebida mais consumida no mundo. Os ingleses, conhecidos pelo hábito, ingerem 165 milhões de xícaras por dia, uma média de três por habitante. Os brasileiros bebem, em média, onze xícaras por pessoa em um ano inteiro. Mas trata-se de uma história que começa a ser reinventada. O consumo per capita anual no Brasil cresceu 24% entre 2012 e 2017, enquanto no resto do mundo a expansão foi de 9%. E o chá-verde lidera esse crescimento. Relatório recente da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) mostrou que a sua produção mundial aumentará drasticamente: 7,5% por ano, alcançando 3,6 milhões de toneladas em 2027 — três vezes mais em relação ao chá-preto. A FAO sugere que o salto no consumo está ligado a um relativamente novo movimento da civilização: a busca pelo corpo são e pela mente sã.
Publicado em VEJA de 22 de janeiro de 2020, edição nº 2670