Cientistas descobrem o que acontece no cérebro quando as crianças meditam
O retrato inédito não deixa dúvida: mesmo nelas, o motor de preocupações é desligado
Desde que a meditação ganhou força na medicina ocidental como recurso de eficácia científica comprovada na prevenção, tratamento e alívio de sintomas de doenças como as cardiovasculares, o câncer e a depressão, um vasto campo de pesquisas foi aberto pela medicina. Descobriu-se que deixar os pensamentos correr soltos ou concentrar-se no ritmo da respiração promovem transformações no cérebro, de onde é desencadeada uma cascata de reações associadas à queda da pressão arterial, à redução da sensação de dor e da ansiedade, só para ficar em alguns dos benefícios.
Contudo, faltavam evidências sobre os efeitos no organismo de crianças. Havia indicações de que o método oferece iguais resultados aos pequenos, mas ninguém ainda tinha observado o que, afinal, ocorre dentro do cérebro deles. Pesquisadores da Wayne State University, nos Estados Unidos, deram agora o primeiro passo nesse sentido. De maneira inédita, com a ajuda de aparelhos de exame de imagem, eles analisaram em tempo real as alterações nos circuitos de neurônios de crianças e adolescentes com câncer ou já sem a doença, treinados para meditar. O que constataram ajudará a refinar as indicações para tirar o melhor proveito da técnica quando usada entre os pequenos budas.
A pesquisa contou com a participação de doze pacientes e ex-pacientes com idades entre 5 e 17 anos. Eles foram divididos em três grupos. O primeiro aprendeu a meditar concentrando-se na respiração: quando o foco desvia para os pensamentos, volta-se para o mantra do inspira, expira. A segunda turma praticou a técnica segundo a qual se identifica a natureza dos sentimentos que surgem, porém sem fazer julgamentos sobre eles. O restante foi entretido com estratégias de distração, entre elas a de ver vídeos.
As imagens revelaram que os dois métodos de meditação — e não as distrações — reduziram de forma relevante a atividade de um circuito neuronal ligado ao planejamento e projeções de ações futuras. Trata-se de um sistema vital para que os indivíduos reajam de maneira equilibrada ao que pode acontecer, sem exacerbar as dificuldades ou enxergá-las onde elas não existem. O problema é que, quando o circuito fica permanentemente ativado, ocorre a chamada “ruminação” de pensamentos negativos. Cria-se um processo mental tóxico e, aos poucos, instala-se a ansiedade ou a depressão, condições marcadas pela incapacidade de vislumbrar perspectivas otimistas. Reduzir a operação desse circuito, portanto, é como desligar da tomada um motor de preocupações contínuas e desarrazoadas.
A área identificada é a mesma que se modifica quando adultos meditam. E essa é a informação valiosa trazida pela pesquisa, embora pareça óbvia. “O cérebro das crianças não é uma versão reduzida do órgão em adultos”, disse a VEJA Hilary Marusak, neurocientista e orientadora do trabalho. “Ele é completamente diferente e não podíamos trabalhar com meditação em crianças tomando por base o que acontece com os adultos.” Além disso, ficou claro que técnicas de distração são menos efetivas no alívio do estresse infantil porque exigem a atuação de áreas ainda não totalmente desenvolvidas em tenras idades. No entanto, devem-se celebrar as iniciativas já adotadas em hospitais, ainda que ancoradas no que se sabe a respeito do cérebro de adultos. Melhor seria que, de agora em diante, dado o conhecimento da mente infantil diante da meditação, as instituições colocassem seus pequenos pacientes com a espinha ereta e a mente aberta.
Publicado em VEJA de 21 de setembro de 2022, edição nº 2807