A pandemia de Covid-19 causou uma explosão de casos de diabetes tipo 1 em crianças e adolescentes, com incidência 14% maior em 2020 e que atingiu 27% no ano seguinte em relação a 2019, mas a alta da doença autoimune não está ligada apenas à infecção pelo vírus SARS-CoV-2. A conclusão é de um estudo, publicado no JAMA Network Open, que avaliou 38.149 jovens e comparou dados dos primeiros anos da crise sanitária com o período pré-pandêmico. Os pesquisadores ainda investigam as causas e apontam que o quadro foi desencadeado por um cenário multifatorial, que engloba dieta, obesidade e isolamento social.
A relação entre as duas doenças já foi estabelecida em outras pesquisas. Um levantamento divulgado no ano passado pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC) apontou que crianças e adolescentes tinham risco 116% maior de desenvolver diabetes tipo 1 quando infectados pelo novo coronavírus. Neste tipo de diabetes, o sistema imunológico começa a atacar as células do pâncreas, órgão responsável pela produção de insulina, o hormônio que regula o índice de açúcar no sangue. O resultado é que os níveis passam a subir e, com a descompensação do quadro em longo prazo, o paciente pode ter danos renais e cardiovasculares, cegueira e até a amputação de membros.
“Foi uma incidência muito maior do que esperávamos”, disse a autora Rayzel Shulman, endocrinologista pediátrica do SickKids Research Institute em Toronto, no Canadá, ao periódico científico Nature. Antes da pandemia, a incidência de diabetes tipo 1 nessa população crescia a uma taxa de 2 a 4% ao ano.
Por meio de uma meta-análise, o grupo constatou não só o aumento da incidência da doença, mas que houve a interrupção de sua sazonalidade no período – normalmente, as taxas mais altas de novos casos ocorrem no inverno do que no verão -.
O estudo também reforçou que os desfechos de quem tem diabetes tipo 1 e sofre com Covid-19 são mais graves, o que ficou comprovado pelo aumento de 26% em 2020 ante 2019 na incidência de cetoacidose diabética, uma complicação causada pela elevação dos níveis de glicose que pode levar à morte. “Essa é realmente uma das descobertas mais importantes deste estudo”, afirmou Rayzel.
Pesquisas para acompanhar o cenário da doença entre crianças e adolescentes em longo prazo precisam ser realizados para analisar se é uma tendência e para compreender suas causas. Especialistas de outras instituições que avaliaram os resultados acreditam que o aumento de casos de diabetes tipo 1 na população infanto-juvenil é multifatorial e pode ter relação com mudanças no estilo de vida ao longo do período pandêmico.
Isso porque, com a circulação do vírus causador da Covid-19, crianças e jovens ficaram em isolamento social, o que desencadeou sedentarismo, obesidade e consumo excessivo de alimentos ultraprocessados. Outra hipótese é de que o distanciamento pode ter reduzido a exposição dos jovens a outros patógenos, o que pode ter suprimido algum mecanismo de proteção do organismo ainda desconhecido.
“Pode ser que a pandemia tenha acelerado o aparecimento de diabetes tipo 1 em crianças já em risco ou que, por razões desconhecidas, mais crianças estejam desenvolvendo autoimunidade do que antes da pandemia”, completou Rayzel.