Nos rituais da civilização asteca, que dominou parte das Américas Central e do Norte entre 1325 e 1521, a referência a poderosos cogumelos era frequente. A utilização do que se chamava de “carne de deus” foi documentada no século XVI e voltou a despertar curiosidade nos anos 1960. Artistas e hippies demonstraram imenso interesse em suas propriedades alucinógenas — e centros de medicina trataram de estudá-los com afinco. Com a guerra contra as drogas desencadeada a partir dos anos 1970, contudo, as pesquisas arrefeceram. Hoje, mais de cinco décadas depois, eles retornam ao centro das atenções.
Há crescente interesse em torno dos benefícios da psilocibina, substância presente em espécies de cogumelos que teria efeitos terapêuticos no tratamento da depressão, do alcoolismo e de outras patologias psiquiátricas. Embasadas por resultados que emergem das investigações, autoridades de saúde pública começam a prescrever o composto como opção para pessoas que tentaram todas as outras medidas e fracassaram. Desde o primeiro dia de 2023, o estado americano do Oregon foi o primeiro dos EUA a autorizar a psilocibina para pessoas com depressão severa ou alcoolismo.
Indicada para pessoas com mais de 21 anos, a psilocibina é administrada em ambiente controlado por profissionais treinados. Avanço semelhante ocorreu na província de Alberta, no Canadá, que em outubro de 2022 regulamentou o uso em casos de estresse pós-traumático. Em países como Tailândia, Austrália e membros da União Europeia, as conversas sobre a aplicação da droga estão avançadas.
Quando se olha para as conclusões de cuidadosas e vastas experiências, brota uma avenida de esperança no zelo com o sofrimento imposto por transtornos mentais refratários às alternativas de tratamentos disponíveis. A rigorosa agência regulatória de medicamentos americana, a FDA, que costuma barrar novidades sem comprovações, considerou a psilocibina uma terapia inovadora e positiva.
Os resultados são promissores. Em 2016, um estudo reunindo doze pacientes com depressão registrou que 58% relataram uma queda superior a 50% nos sintomas depressivos em três meses. Em relação ao alcoolismo, um ensaio publicado em agosto do ano passado apontou acentuada redução da ingestão exagerada de bebidas alcoólicas em oito meses com apenas duas doses do composto. Os pesquisadores observaram que a porcentagem de dias de consumo pesado de álcool nos voluntários que receberam medicação convencional chegou a 23,6%. No grupo dos que receberam psilocibina, o índice caiu a 9,7%. “As descobertas aumentaram o número de ensaios clínicos e levaram a um renascimento da psilocibina”, disse a VEJA Wayne Hall, da Universidade de Queensland, na Austrália, um dos mais respeitados pesquisadores do tema.
Os mecanismos de ação do fármaco precisam ser mais bem compreendidos, mas se sabe que promove uma espécie de religação cerebral a partir da qual cessam os padrões de pensamentos que estão na origem de várias doenças psiquiátricas. Entre eles, os ruminativos, caracterizados pela dificuldade de parar de pensar de forma negativa e pessimista sobre eventos da vida. “Essa rede é inibida”, explica Renato Filev, pesquisador da Universidade Federal de São Paulo. “O paciente consegue olhar para os episódios de outra forma, com mais distanciamento e perspectiva.” A cautela na liberação do uso do recurso, contudo, é compreensível. Embora aparentemente eficaz, a substância pode provocar alucinações, pânico, vômito, enjoo, confusão mental e fraqueza muscular. Sua indicação, portanto, deve ser precisa e a aplicação realizada sob rigorosa supervisão de médicos muito bem qualificados. Tudo isso para que a onda psicodélica seja o bálsamo contra o tormento, e não mais um fator a agravá-lo.
Publicado em VEJA de 18 de janeiro de 2023, edição nº 2824