Com nova variante e surto na África, a mpox volta a soar o alarme global
Classificada como emergência internacional, ela cobra esforços para sufocar a proliferação do vírus pelo planeta
O alarme voltou a soar. Apenas um ano e três meses separam a primeira e a segunda declaração da Organização Mundial da Saúde (OMS) com um alerta global sobre um patógeno em ascensão. No caso, o da mpox. A doença, inicialmente uma zoonose, se popularizou com o nome “varíola dos macacos” e esteve por trás de mais de 99 000 casos e 200 mortes em 116 países entre maio de 2022 e junho deste ano. A curta temporada sob controle foi interrompida na última semana, quando a entidade elevou o status diante do levante de uma nova variante do vírus, ainda mais transmissível e letal, na República Democrática do Congo. Outros países africanos já foram afetados, enquanto a Suécia registrou o primeiro episódio importado da moléstia. A manifestação da OMS busca justamente evitar o escalonamento da crise, e o Brasil, assim como outras nações, já arma estratégias de defesa. Não se trata de um problema da África. A união de esforços é crucial para impedir que o novo micróbio se alastre pelo planeta.
Como já ficou provado diante de outras infecções, inclusive na pandemia de covid-19, o fim de um estado de emergência sanitária não significa que o patógeno tenha deixado de circular. A mpox é prova inconteste. O clado, como se chama o agrupamento de organismos advindos de um ancestral comum, vinha se mantendo o mesmo desde o surto de 2022. A partir de setembro do ano passado, de forma sorrateira, outro grupo viral passou a dar as caras. Nesse processo, silencioso e invisível, o agente infeccioso ganhou uma roupagem mais letal. Enquanto a cepa anterior matava 1% dos acometidos, a nova versão chega a alarmantes 10%.
A mpox tem uma prima que foi devastadora para a humanidade, chegando a ceifar a vida de 30% das pessoas infectadas: a varíola. Mas, com intensas ações de vacinação, ela foi erradicada em 1980. Assim como a varíola, a mpox é transmitida por contato, e a variante atual parece ser mais bem-sucedida nesse sentido. Já assistimos a esse filme… “Quando o vírus começa a replicar muito, ele se espalha mais rápido”, afirma a imunologista Ester Sabino, professora titular da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
Apenas neste ano, doze países da África confirmaram 2 863 casos e 517 mortes, com os episódios se concentrando na República Democrática do Congo. Quatro países vizinhos — Uganda, Burundi, Ruanda e Quênia — notificaram a nova linhagem pela primeira vez e, em todo o continente, os casos suspeitos superam 17 000. Esse é um reflexo de dificuldades encontradas na região. Um dia antes da declaração da OMS, o diretor-geral do Centro Africano de Controle e Prevenção de Doenças (Africa CDC), Jean Kaseya, fez um chamado global: “Nós convocamos vocês para ficarem conosco nesta hora crítica. A África está há muito tempo na linha de frente contra as doenças infecciosas, frequentemente com recursos limitados”. Seu pedido de ajuda também porta um alerta. “O mundo não pode se dar ao luxo de fechar os olhos para esta crise.”
Ainda que a principal via de transmissão da mpox seja o contato pele a pele ou por relações sexuais (a doença produz lesões que lembram bolhas e tomam o corpo), seu controle impõe desafios. O cenário ideal seria contê-la com imunização. Mas as vacinas, tanto para mpox quanto para varíola humana, ainda são escassas. Nesse contexto, deve ser mantida a máxima de resguardar os mais vulneráveis. Por isso, a União Europeia anunciou a doação de 215 000 doses, incluindo 40 000 cedidas pela farmacêutica dinamarquesa responsável pelo produto. Mas o repasse ainda está aquém da demanda para deter o surto na África — um montante calculado em 10 milhões de doses. “É preciso ter um plano e um financiamento globais para conter essas doenças no local de origem”, diz a microbiologista Natalia Pasternak, professora da Universidade Columbia, nos EUA, e presidente do Instituto Questão de Ciência. “Não adianta os países ricos comprarem vacina só para proteger sua população.” Covid-19, gripe aviária, mpox… Se o avanço de patógenos emergentes nos ensina alguma coisa, é que não podemos pensar em fronteiras se quisermos salvar vidas.
Publicado em VEJA de 23 de agosto de 2024, edição nº 2907