Conheça a proteína antienvelhecimento que evita a morte de neurônios
Pesquisadores investigaram potencial da klotho, descoberta em 1997 e que tem potencial anti-inflamatório
O processo de envelhecimento celular é multifatorial e engloba vários campos do conhecimento. Encontrar mecanismos de proteção dos danos sofridos pelas células é uma das frentes e um grupo de pesquisadores acaba de avançar mais um passo nesse sentido. Artigo publicado na revista Scientific Reports, do grupo Nature, apontou que a proteína klotho teve papel protetor contra inflamações em células do sistema nervoso central que interagem com os neurônios – as chamadas células da glia.
O estudo, in vitro, utilizou um lipopolissacarídeo (LPS) – uma molécula da membrana de algumas bactérias – para os testes, induzindo a inflamação nas células. A ação se dá porque a presença de LPS aumenta a secreção de citocinas pró-inflamatórias que, quando produzidas em excesso ou de forma crônica, podem levar à morte neuronal. Como o uso de LPS em células gliais gera um aumento de mediadores pró-inflamatórios, o grupo analisou se o pré-tratamento com klotho faria alguma diferença na resposta celular.
“O trabalho demonstrou pela primeira vez em cultura neuronal o efeito anti-inflamatório e neuroprotetor da proteína klotho”, apontam os pesquisadores. Os dados sugerem que ela pode atuar não apenas no metabolismo de neurônios e astrócitos, mas também é um componente importante na modulação da neuroinflamação da glia. Assim, o potencial terapêutico da klotho pode ser benéfico para processos patológicos com fatores neuroinflamatórios.
Os achados complementam evidências prévias encontradas pelo grupo, que mostraram que a klotho está envolvida na ação dos astrócitos, células nervosas que têm entre suas funções fornecer nutrientes para a sustentação de neurônios. O estudo teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) por meio do auxílio à pesquisa na linha de envelhecimento e neuroproteção, da qual faz parte também Elisa Mitiko Kawamoto, uma das cientistas que assinam a publicação.
Estudos promissores
Descoberta em 1997, a klotho é uma proteína antienvelhecimento cuja concentração aumenta significativamente após o nascimento e na idade adulta, diminuindo conforme avança a idade, quando há uma inflamação crônica conhecida por “inflammaging”. Essa inflamação desregulada, sistêmica e de baixo grau no cérebro está associada a déficits cognitivos e à progressão de doenças neurodegenerativas.
“Ao longo da minha carreira comecei a me interessar não só por estudar as bases moleculares associadas às doenças neurodegenerativas, mas a procurar entender por que essas doenças ocorrem no envelhecimento e por que algumas pessoas conseguem envelhecer de forma saudável”, destaca Cristoforo Scavone, professor do Departamento de Farmacologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) e coautor do artigo.
Scavone há tempos se dedica a investigar esses processos, traçando caminhos promissores de pesquisa. “Anteriormente estava em um estudo sobre doença renal crônica associada à neuroinflamação e constatamos que essa proteína klotho estava diminuída e isso apresentava correlação com o aparecimento dos déficits cognitivos”, relata.
A atividade protetora e anti-inflamatória da molécula já havia sido observada nos sistemas renal, vascular e pulmonar, mas era, até então, pouco estudada em casos de neuroinflamação, ponto em que a recente publicação se destaca. “Agora, neste estudo, tivemos forte evidência de que a proteína possui também um efeito neuroprotetor. O pré-tratamento com klotho foi capaz de diminuir a secreção de citocinas pró-inflamatórias e reverteu o aumento na secreção induzida pela inflamação”, ressaltam os pesquisadores.
A neuroinflamação é uma característica intrínseca ao processo de envelhecimento. Já é conhecido que doenças neurodegenerativas e lesões que afetam o sistema nervoso central agem na glia, inclusive nos astrócitos. Dependendo da natureza de sua ativação, podem levar à produção de mediadores pró ou anti-inflamatórios e ter efeitos benéficos ou prejudiciais sobre os neurônios. Assim, estudos que mapeiam esses mecanismos são importantes para traçar possibilidades terapêuticas.
Apesar dos bons resultados, os autores advertem que não está claro se a klotho é o único mediador envolvido no efeito neuroprotetor observado. Porém, as evidências acumuladas justificam que seu potencial seja mais bem elucidado.
O trabalho é assinado também por Vinicius Nakao, Larissa de Sá Lima, Paloma Segura de Mello, Natacha de Souza Port’s, Paula Fernanda Kinoshita e Caio Henrique Yokoyama Mazucanti e envolveu o Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal de Goiás (UFG) e o Laboratório de Pesquisa Clínica do National Institute on Aging (NIA), nos Estados Unidos, onde Mazucanti realiza estudos de doutorado com apoio da Fapesp.