Uma ampla frente de pesquisadores de institutos franceses identificaram um novo uso para a cetamina. A droga, geralmente usada como anestésico geral utilizado em procedimentos cirúrgicos, é também recreativa, devido aos efeitos alucinógenos que causa, proporcionando a sensação de estar fora do corpo. Porém, durante o estudo, os cientistas experimentaram administrá-la a pacientes com depressão grave e resistente.
Os resultados demonstraram uma maior capacidade dos participantes de superar suas crenças negativas sobre si mesmos e sobre o mundo, quando os pesquisadores lhes apresentavam informações positivas. Publicados no JAMA Psychiatry, abrem novos caminhos terapêuticos para o manejo de transtornos de humor resistentes a antidepressivos.
A depressão é o transtorno psiquiátrico mais comum: segundo a Organização Mundial da Saúde, 322 milhões de pessoas no mundo sofrem de depressão. No Brasil, são mais de 11 milhões de casos. Todas as faixas etárias e classes sociais são afetadas.
Cerca de um terço das pessoas com depressão não responde aos antidepressivos prescritos, levando a um diagnóstico de depressão resistente ao tratamento (TRD). Para essas pessoas, encontrar terapias novas e eficazes é uma prioridade.
A cetamina mostrou ser uma dessas alternativas. Enquanto os tratamentos antidepressivos convencionais levam tempo para serem eficientes (em média três semanas), a droga tem um efeito rápido, com apenas algumas horas após a administração. Os mecanismos associados a esse efeito de ação rápida ainda são desconhecidos.
Estudo prático
A equipe de pesquisa liderada por Philippe Fossati e Liane Schmidt, pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisa Médica e de Saúde, da França, estruturou um estudo clínico envolvendo 26 pacientes resistentes a antidepressivos (TRD) e outros 30, saudáveis.
Durante o protocolo, ambos os grupos estimaram a probabilidade de 40 eventos “negativos” que poderiam ocorrer em suas vidas (por exemplo, sofrer um acidente de carro ou ter um câncer).
Após serem informados dos reais riscos de ocorrência na população geral, pacientes e indivíduos saudáveis foram novamente solicitados a ‘chutar’ a probabilidade desses eventos ocorrerem em suas vidas. Os resultados mostraram que as pessoas saudáveis tendiam a atualizar mais suas crenças iniciais após receberem informações factuais e positivas, o que não ocorreu na população de pacientes deprimidos.
No conjunto do estudo, as pessoas com depressão receberam três administrações de cetamina em dose subanestésica (0,5 mg/kg em 40 minutos) em uma semana. Apenas quatro horas após a primeira dose, os pacientes tornaram-se menos sensíveis às informações negativas e recuperaram a capacidade de atualizar seus conhecimentos comparável ao grupo de controle.
Assim, a melhora dos sintomas depressivos após o tratamento com cetamina foi associada a essas mudanças na atualização de crenças, sugerindo uma ligação entre a melhora clínica e alterações nesse mecanismo cognitivo.