É urgente reduzir consumo nocivo de álcool a nível global, diz estudo
Indústria do álcool é grande obstáculo para o Plano Global de Ação para o Álcool (2022-2030), da ONU, que não possui mecanismos de fiscalização ou sanção
Esforços internacionais são urgentemente necessários para atender às metas estabelecidas no Plano Global de Ação para o Álcool (GAAP) até 2030, segundo especialistas em saúde pública da Universidade de York, na Inglaterra. No estudo, publicado nesta terça-feira, 27, no periódico BMJ Global Health, os cientistas afirmam que as iniciativas devem partir, principalmente, de lideranças de países de baixa e média renda, onde o mercado de bebidas alcóolicas se expande rapidamente e a infraestrutura de saúde e outros recursos essenciais são escassos.
O Plano Global de Ação para o Álcool (GAAP), da Organização Mundial da Saúde (OMS), foi endossado pela 75ª Assembleia Mundial da Saúde, em maio de 2022, com o objetivo de implementar, como prioridade de saúde pública, uma estratégia global de redução do uso nocivo do álcool. O documento compreende áreas de ação e, para cada uma delas, são propostos indicadores de nível mundial para monitorar a implementação. Atualmente, 35 Estados Membros das Américas são acompanhados pela OMS e pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).
Menos marketing e reformulação de produtos
Para funcionar, o Plano exige que os operadores econômicos ajam rigorosamente para, por exemplo, restringir a exposição de marketing a menores de idade e reformular produtos. Além disso, os governos, como um todo, deveriam agir rapidamente para cumprir as metas, o que requer priorização e liderança política.
Os autores do estudo afirmam, porém, que nenhuma das metas é respaldada por sanções ou mecanismos de fiscalização. Por isso, a indústria de álcool, que “anteriormente teve sucesso em atrasar a adoção de políticas baseadas em evidências em todo o mundo”, deve continuar desafiando a implementação das medidas incluídas no GAAP.
A indústria é parte do problema
Há muito tempo, o álcool é objeto de conflitos de interesses interdepartamentais nos governos, com a Saúde, frequentemente, perdendo influência para o Comércio e a Indústria. Isso ajuda a explicar o porquê houve poucos sinais de movimento nas áreas-chave de ação, desde a adoção formal do Plano pela Assembleia Mundial da Saúde em 2022.
O GAAP considera os operadores econômicos, envolvidos na produção e comércio de álcool, partes significativas do desafio associado ao consumo. Os cientistas, no entanto, defendem uma abordagem cautelosa – mas, eficiente – em relação ao papel desses operadores no contexto do Plano de Ação Global para o álcool.
Para os pesquisadores, no entanto, existem poucos indícios de que o GAAP tenha estimulado inovações políticas significativas por parte dos Estados Membros, ou mesmo atividades para as quais ações foram propostas. O estudo prevê que, mesmo se esses esforços forem feitos, os países enfrentariam uma grande oposição das principais empresas de álcool e de seus representantes; a menos que o próprio GAAP induza uma mudança nas abordagens da indústria em relação à política. Assim, é fato que a incerteza em relação às medidas, se seriam suficientes para atingir os objetivos de 2030, permanece.
Os estudiosos alertam ainda que “a nível global, o fracasso em alcançar a meta de 2030 significará que milhões mais serão condenados a morrer desnecessariamente porque o mandato dos governos do mundo, agindo juntos na Assembleia Mundial da Saúde, não foi respeitado pelos principais intervenientes em uma poderosa indústria globalizada”.
No Brasil
Uma pesquisa do Ministério da Saúde apontou um aumento de 18,4% para 20,8% no consumo excessivo de álcool no país entre 2021 e 2023. Entre os homens, foi registrada alta de 25% para 27,3% no período. Já entre as mulheres, o crescimento foi de 12,7% para 15,2%. Vale pontuar que o consumo abusivo de álcool ocorre quando homens ingerem cinco ou mais doses, e mulheres bebem quatro ou mais doses, em uma única ocasião no mês.
Outra análise, feita a partir dos resultados do Covitel (Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas Não Transmissíveis em Tempos de Pandemia) e de um teste da OMS (Organização Mundial da Saúde), mostra que 6 milhões de brasileiros, ou 4% da população adulta, têm um padrão que indica consumo perigoso de bebidas alcoólicas, com risco de dependência.
Ainda relacionado aos impactos da pandemia, o número de mortes por transtornos mentais associados ao uso abusivo de álcool vem crescendo, com média de 8,5 mil óbitos anuais no período de 2020 a 2022, um aumento de 33% em relação a 2019, quando esse número ficou em 6,4 mil. Os mais afetados são os brasileiros mais velhos, sobretudo, os idosos.
Principais metas do Plano de Ação Global sobre Álcool 2022-2030:
- Até 2030, deve haver uma redução relativa de pelo menos 20% (em comparação com 2010) no uso nocivo do álcool.
- Até 2030, 50% dos países devem possuir capacidade reforçada para a implementação de estratégias e intervenções eficazes para reduzir o uso nocivo do álcool.
- Até 2030, 50% dos países devem possuir capacidade reforçada nos serviços de saúde para fornecer intervenções de prevenção e tratamento de doenças e problemas relacionados ao uso do álcool, alinhada com os princípios da cobertura universal de saúde.
- Até 2030, pelo menos 50% dos países devem possuir recursos dedicados a redução do uso nocivo do álcool mediante a implementação de políticas e o aumento da cobertura e da qualidade das intervenções de prevenção e tratamento dos transtornos causados pelo uso dessas substâncias.