No repertório coloquial, o transtorno bipolar é frequentemente usado para classificar, de forma inadequada, pessoas que mudam de estado de humor rapidamente. Como a maioria das condições psiquiátricas, o distúrbio está cercado de desconhecimento pela população e é um desafio para a medicina. O resultado é uma enorme dificuldade de diagnóstico e tratamentos incorretos. Paira um estigma sobre a doença e o paciente que resiste alimentado pela ignorância.
Para responder a essa condição e dar alívio aos 40 milhões de pessoas no mundo que apresentam a enfermidade, a ciência está realizando um mergulho na mente humana. Dele estão emergindo informações preciosas para o entendimento do transtorno, caracterizado pela alternância entre episódios de mania, com muita agitação e impulsividade, e de depressão.
As mais relevantes descobertas adicionam dados sobre elementos associados ao aparecimento do distúrbio, sobretudo na relação entre alterações genéticas e mudanças na mecânica cerebral. Sabia-se que o principal fator de risco é a presença de casos na família, correspondendo a até 90% dos diagnósticos. Outros gatilhos, como o uso de drogas, compõem a lista, mas era preciso investigar mais. Foi o que fizeram pesquisadores da Universidade de Dresden, na Alemanha, ao analisar jovens que buscavam atendimento na instituição. Eles constataram que também despontam como ameaças relações sociais frágeis, registro de ao menos um episódio de depressão e distúrbios do sono e no ritmo circadiano.
Da Universidade de Gotemburgo, na Suécia, surgiu um caminho para que seja possível descobrir, com um exame de sangue, se o paciente tem predisposição ao suicídio, evento vinte vezes mais frequente entre os afetados pela bipolaridade. Após o exame de amostras de plasma de pessoas com o distúrbio, os cientistas acharam níveis diferentes de dezesseis proteínas associadas ao funcionamento de neurônios, à reação ao estresse e à capacidade de adaptação do cérebro. Agora, eles trabalham para transformá-las em marcadores cujos níveis indicarão a chance de morte autoimpingida entre os pacientes.
Os avanços na genética representam saltos igualmente substantivos. O mais recente foi anunciado pelo Lieber Institute for Brain Development, nos Estados Unidos. Em um trabalho de dimensão inédita, cientistas da instituição esquadrinharam amostras de tecidos cerebrais extraídas de indivíduos que tinham a doença e haviam morrido. Eles verificaram a presença de alterações de fundo genético relacionadas à troca de informação entre as células nervosas, sugerindo que as mudanças de humor estejam ligadas a essas falhas na comunicação. “A informação poderá levar a tratamentos focados no transtorno”, escreveu Thomas Hyde, um dos autores do estudo. Conhecer alvos específicos a serem neutralizados também significa a possibilidade de criação de meios mais rápidos de diagnóstico, que hoje leva de seis a dez anos para ser feito. “O processo é difícil”, diz Francisco Rabelo-da-Ponte, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. “É um mar de depressão e ilhas de mania.” Contudo, os novos achados sinalizam que os acertos, como o do diagnóstico da cantora Mariah Carey, serão superiores aos dramas parecidos com o da atriz Cassia Kis, que, depois de oito anos tomando remédios para controlar o transtorno, descobriu não ter a doença. A medicina avança.
Publicado em VEJA de 6 de julho de 2022, edição nº 2796