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Estudo pode ajudar no tratamento e prevenção de doenças oculares

Pesquisadores da USP identificaram alterações no metabolismo de lipídios da retina que podem se traduzir em melhores opções terapêuticas

Por Agência FAPESP
Atualizado em 4 jun 2024, 10h15 - Publicado em 10 jul 2023, 13h07

Em artigo publicado na revista iScience, cientistas do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP) descreveram alterações no metabolismo de lipídios da retina em camundongos que mimetizam um quadro de retinopatia que pode acometer bebês prematuros.

Os pesquisadores analisaram a composição lipídica da retina de camundongos com angiogênese (formação de novos vasos sanguíneos) normal e patológica e compararam os resultados com os de transcriptoma de RNA mensageiro (analisaram alterações no conjunto de RNAs codificadores de proteínas expressos). Dessa forma, eles identificaram a assinatura lipídica da angiogênese patológica.

Angiogênese é o processo de formação de vasos sanguíneos a partir de vasos preexistentes, que ocorre em condições fisiológicas e patológicas. É um fenômeno complexo, do qual participam inúmeras moléculas que estimulam e inibem a formação dos novos vasos. O aumento da permeabilidade vascular e a neovascularização sub-retiniana são as causas da perda visual nas doenças proliferativas da retina, como a degeneração macular relacionada à idade e a retinopatia diabética.

Segundo os pesquisadores, uma melhor compreensão do metabolismo lipídico da retina pode se traduzir em melhores alternativas terapêuticas e diagnósticas para o tratamento e prevenção de doenças oculares humanas.

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As principais alterações encontradas no lipidoma de retinas patológicas foram a diminuição dos níveis de ácidos graxos poli-insaturados ômega 3 e 6 e um aumento de poli-insaturados da classe ômega 9; alterações no metabolismo de lipídios neutros, em particular, acúmulo de gotículas lipídicas ricas em ésteres de colesterol e triglicérides; e alterações no transporte de colesterol na retina mediado por lipoproteínas.

“Essa é a primeira vez que dados de duas abordagens “ômicas” – a lipidômica [avaliação no conjunto de lipídios presente numa amostra] e a transcriptômica [avaliação no conjunto de RNAs expressos] – são integrados no estudo dessa patologia”, afirma a pesquisadora Lilian Costa Alecrim, que divide com o pesquisador Alex Inague a primeira autoria do artigo. Segundo Inague, “a análise de transcriptômica foi a chave para integrar e dar sentido aos dados da lipidômica. Em termos de complexidade dos dados da análise de lipídios, não vi estudos similares”.

A investigação foi conduzida durante o doutorado de Inague, bolsista da FAPESP sob a supervisão da professora Sayuri Miyamoto, e de Alecrim, supervisionado pelo professor Ricardo José Giordano, ambos do Departamento de Bioquímica do Instituto de Química da USP. Miyamoto é também pesquisadora do Centro de Pesquisa em Processos Redox em Biomedicina (Redoxoma), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP sediado no IQ-USP.

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Para Giordano, que coordena um projeto apoiado pela Fundação, o trabalho “representa uma contribuição importante para a área de pesquisa, por trazer uma quantidade grande de dados, mostrando a dinâmica de lipídios na retina”.

Gotículas lipídicas

“A vascularização da retina se completa na última semana de gestação, por isso o problema da retinopatia em prematuros. Em camundongos, a vascularização da retina se inicia após o nascimento. Por isso a gente consegue introduzir a doença nesses animais”, explica Alecrim.

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A partir de amostras coletadas em diferentes tempos, os pesquisadores identificaram e quantificaram 300 espécies lipídicas, na condição tanto fisiológica quanto patológica das retinas. Destas, 227, ou 92% do total, sofreram remodelamento, sendo que parte das modificações ocorre com o desenvolvimento normal dos animais.

Analisando os dados, o que inicialmente chamou atenção dos pesquisadores foi que praticamente todas as espécies detectadas de triacilgliceróis e de éster de colesterol estavam aumentadas na retinopatia. “De uma forma geral, não só nessa doença, mas numa série de outros modelos, inclusive na esclerose lateral amiotrófica [ELA], a gente vê que situações de estresse oxidativo provocam o aumento dos corpúsculos ou gotículas de lipídios. Vimos esse fenômeno de um aumento muito grande de lipídios neutros – ésteres de colesterol e triacilgliceróis – presentes dentro desses corpúsculos”, diz Inague.

A partir daí, para entender melhor os dados, os pesquisadores integraram a análise dos lipídios com a análise de RNAs mensageiros. “Com a transcriptômica, se compara a expressão gênica na doença e na saúde para ver como o DNA está sendo lido. Só que aí a mudança é bem maior: são 3,8 mil genes que têm expressão diferencial. Foi preciso, então, navegar todos esses genes, filtrar os que são relacionados com o metabolismo de lipídio e, dentro disso, mapear tudo”, explicou Giordano.

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Para Miyamoto, o acúmulo de gotículas lipídicas é um fenótipo comum em processos degenerativos. “Isso é visto em várias doenças neurodegenerativas, é um fenótipo meio comum em processos envolvendo estresse oxidativo e degenerativos, que ainda precisa ser mais bem entendido.”

Ômega 9

Em outro resultado importante, os pesquisadores detectaram o acúmulo de grandes quantidades do ácido Mead na retina patológica. O ácido Mead é um dos ácidos graxos ômega 9 e pode ser um marcador da severidade da retinopatia de prematuridade, doença causada pelo crescimento anormal dos vasos sanguíneos na retina de bebês prematuros, que pode levar à perda de visão.

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“Na nossa análise, conseguimos encontrar parâmetros que diferenciassem espécies de ácidos graxos poli-insaturados. Então verificamos que os ômegas 3 e 6 estavam diminuídos e toda a via dos ômega 9 estava aumentada na retina patológica, em comparação com os controles. Aparentemente, na doença, esses ômegas 3 e 6 são substituídos pelo ômega 9”, explica Inague. As gorduras poli-insaturadas ômega 3 e 6 conferem alta fluidez para a retina, sendo importantes para sua função.

Esses dados reforçam a importância da suplementação de ômega 3 e 6 para prevenção da retinopatia da prematuridade, como vem sendo sugerido na literatura. No entanto, ainda há questões a serem exploradas, como o controle da fosforilação de enzimas conhecidas como elongases, que catalisam a extensão (ou alongamento) de ácidos graxos. A inibição da fosforilação da elongase ELOVL5, por exemplo, pode fazer com que a retina use o ômega 9 em vez do ômega 3, diminuindo o efeito da suplementação. A modulação dessa enzima talvez esteja relacionada com as vias do fator de crescimento endotelial vascular.

A ideia agora, segundo Giordano, é tentar medir o ácido Mead em amostras biológicas e ver se tem uma relação com a severidade da retinopatia da prematuridade. “É possível medir o ácido Mead no sangue do bebê, na saliva ou mesmo na lágrima”, afirmou.

 

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