Depois de anos vivendo sob a máxima de que os primeiros benefícios do exercício físico para o organismo só viriam após vinte minutos de atividade, a ciência apresenta um novo conjunto de informações mostrando que não precisa de tanto tempo assim. Na verdade, vinte segundos de movimentação intensa três vezes por dia já é o suficiente para melhorar o condicionamento físico e a saúde cardiovascular. É o que os estudiosos estão chamando de snack fitness, expressão em inglês que, em português, pode ser entendida como treino curto que pode ser repetido. Como um petisco saboreado aos poucos. A modalidade é uma evolução do HIIT (high intensity interval training, em inglês), sistema que intercala exercícios de alta intensidade com períodos de descanso. Ele começou a fazer sucesso nos anos 2010, por combinar redução de tempo — um circuito completo pode ser executado em vinte minutos — com resultados evidentes.
Aos poucos, porém, percebeu-se que o tempo total gasto não era assim tão menor do que o usado em um treino convencional, de sessenta minutos. Entre trocar de roupa, subir na esteira ergométrica ou na bicicleta, completar o aquecimento e, ao final, esperar o corpo voltar ao ritmo normal, lá se vai pelo menos meia hora. Evidentemente, gastar trinta, quarenta minutos no total, com os mesmos benefícios de uma hora, é vantajoso. Mas, para as pessoas resistentes aos exercícios, esse tempo ainda é insuficiente para motivar a sair da inércia.
Embora existam muitos atletas, um pedaço considerável da humanidade prefere gastar seu tempo com qualquer outra coisa que não sejam abdominais, flexões ou corridas. Por isso, dois centros de pesquisa resolveram investigar qual o mínimo de tempo necessário para obter os benefícios dos exercícios e, dessa maneira, tirar mais gente do sedentarismo. A pergunta não tinha resposta desde que a Organização Mundial da Saúde deixou a informação em branco quando atualizou as diretrizes para o assunto, em 2018.
Dois estudos, porém, trouxeram importantes — e muito positivas — novidades. O primeiro foi liderado por Martin Gibala, professor de cinesiologia da Universidade McMaster, no Canadá. Gibala estuda a relação entre tempo, intensidade e o impacto dos exercícios no corpo há cerca de vinte anos. Desta vez, ele resolveu testar em 24 adultos sedentários a eficácia do snack fitness com o seguinte treino: vinte segundos pedalando em intensidade máxima, intercalados com descanso entre uma a quatro horas, três vezes por dia, três vezes por semana. Como comparação, metade dos participantes executou outro modelo, quase igual, à exceção dos intervalos: eles tiveram dez minutos para cumprir os três ciclos de vinte segundos na bicicleta. Os resultados foram parecidos. No primeiro, a melhora no funcionamento do sistema cardiovascular foi de 9%. No segundo, 13%. “O mais importante é termos mostrado que cada movimento conta. Os ganhos para o organismo começam assim que o indivíduo inicia os exercícios”, disse a VEJA Martin Gibala.
O segundo estudo também reforçou a certeza de que o esforço, por mais breve que seja, ajuda o organismo. Na Universidade do Texas, nos Estados Unidos, os pesquisadores colocaram jovens adultos para pedalar em alta intensidade durante quatro segundos, seguidos por intervalos de quinze a trinta segundos. Cada ciclo foi repetido trinta vezes, somando dez minutos de trabalho físico. No final, todos apresentaram ótimo desempenho da atividade aeróbica. “A performance atlética e as condições cardiovasculares apresentaram boa evolução”, afirma Remzi Satiroglu, autor principal do trabalho.
A expectativa de Remzi e Gidala é que as evidências trazidas pelos seus trabalhos ajudem a tirar muita gente do sofá. Um dado é certo: não há dúvida de que essas pesquisas derrubam os argumentos de quem procura justificativa para não se mexer. Pelo menos daqueles que se dizem ocupados demais, sem tempo para ir a uma academia ou comprar roupa de ginástica. “A beleza do snack fitness é esta. Você pode praticá-lo em qualquer lugar, andando por dois minutos ou subindo três lances de escada de forma vigorosa, por exemplo”, diz Scott Lear, da Universidade British Columbia, parceiro de Gidala. “E nem precisa trocar de roupa porque não vai suar.” De fato, só precisa mesmo é de vontade e, como afirmam os cientistas, da convicção de que alguns minutos de sacrifício podem fazer uma grande diferença.
Publicado em VEJA de 20 de outubro de 2021, edição nº 2760