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Exaltado por Bolsonaro, regime militar era entusiasta da vacinação

Mais de 40 relatórios do SNI mostram o empenho para imunizar a população contra diversas doenças

Por Hugo Marques Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 13 jan 2021, 14h50

Se hoje Jair Bolsonaro e alguns de seus auxiliares mais graduados desdenham da vacinação contra a Covid-19, o regime militar, período da história brasileira mais admirado pelo presidente, tinha muita preocupação com a imunização da população e monitorava possíveis sabotadores das campanhas do Ministério da Saúde. É o que revelam mais de 40 relatórios produzidos pelo extinto Serviço Nacional de Informações (SNI) e por órgãos de inteligência do Exército.

A ordem dos militares era rechaçar qualquer tentativa de sabotagem das campanhas de vacinação. Em maio de 1967, no governo do general Costa e Silva, o Ministério do Exército enviou ofício ao Ministério da Saúde alertando para o que chamava de “movimento de descrédito” em torno da campanha de vacinação contra a varíola no Nordeste. O Exército sugeriu que se tomassem providências imediatas — entre elas, a intensificação do trabalho de esclarecimento da população sobre a importância da imunização.

Em dezembro de 1984, durante o mandato do general João Baptista Figueiredo, o Ministério do Exército difundiu para o SNI, a Polícia Federal e os serviços de inteligência da Marinha e da Aeronáutica um informe sobre um padre e duas freiras que atuavam na região do Bico do Papagaio, em Goiás, tentando “esvaziar” a campanha de vacinação contra a poliomielite, espalhando “falsa notícia” de que o imunizante “era para matar as crianças”. O Exército destacou no relatório o depoimento de um diretor de hospital que lamentava a ausência de crianças nos postos de vacinação. Aquela versão de Fake News, aparentemente, estava prevalecendo e atrapalhando o trabalho do governo.

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Reprodução/SNI – Relatório sobre campanha de vacinação. (reprodução/Reprodução)

Os militares mapeavam denúncias publicadas pela imprensa sobre a falta de vacinas, que eram consideradas negativas. Durante o governo do general Emílio Garrastazu Médici, o SNI produziu um dossiê, em dezembro de 1972, sobre vacinação no Rio de Janeiro e anexou fotografias recolhidas no extinto jornal Correio da Manhã, feitas pelo repórter fotográfico Jorge Nicolella. As fotos mostram uma fila aguardando a vacinação em um posto de saúde no Rio. A legenda de uma delas contém um resumo da denúncia: “Faltou vacina para as crianças”.

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Legenda da foto de Jorge Nicolella, do Correiro da Manhã, denunciava falta de vacina para as crianças no Rio de Janeiro. Reprodução/SNI. (reprodução/Reprodução)

A exemplo de Bolsonaro — que trava uma guerra com o governador de São Paulo, João Doria, em torno da vacinação contra a Covid-19 — o regime militar tinha preocupação quanto à paternidade dos programas de imunização. Em agosto de 1983, durante a gestão de Figueiredo, o SNI produziu um relatório sobre o sistema de comunicação do governo federal, chamando a atenção para outdoors espalhados pelo governo do Pará, sobre a vacinação contra a pólio, que poderiam “render subsídios” ao então governador Jader Barbalho. O SNI alertava para a necessidade de informar a opinião pública sobre a origem dos recursos da campanha, de responsabilidade do governo federal.

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Reprodução/SNI – Preocupação com paternidade dos programas do governo. (reprodução/Reprodução)

A preocupação com a vacinação continuou com a redemocratização e o início da Nova República. No início do governo de José Sarney, em dezembro de 1985, o SNI produziu relatório sobre fraudes em postos de atendimento da Secretaria de Saúde do Ceará, alertando para deficiências no setor, como a falta de êxito na campanha contra pólio, tétano e difteria. O relatório dizia que em algumas cidades do estado, como Crato e Iguatu, não tinham sido vacinados nem 20% do público-alvo, o que colocava o Ceará “em posição desvantajosa no país”.

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Vários outros relatórios produzidos pela inteligência do governo alertaram para a falta de vacinas. Em 1986, o SNI destacou um surto de sarampo em Manoel Urbano, no Acre, que levou à morte de 22 crianças. O órgão registrou que o município ficava muito longe e que as vacinas, ao chegarem à cidade, em longas viagens por barco ou cavalo, já estavam vencidas. Em 1987, o SNI, ao acompanhar a evolução dos casos de poliomielite e sarampo no Ceará, anotou que o fracasso da vacinação estava associado, entre outras coisas, à falta de recursos estaduais e de coordenação entre a administração estadual e o governo federal. Em vez de exaltar o torturador Brilhante Ustra, Bolsonaro faria bem ao país se estudasse um pouco mais sobre os esforços dos militares para imunizar a população brasileira.

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