Índice quantifica de 0 a 1000 a saúde mental do brasileiro. Veja a nota
Pontuações mais baixas são de mulheres, jovens, pessoas trans e em busca de emprego, revela pesquisa nacional inédita
Mulheres, jovens, pessoas trans e aquelas em busca de emprego têm as piores notas de bem-estar mental no Brasil, de acordo com o novo Índice Instituto Cactus-Atlas de Saúde Mental (iCASM). A métrica analisa múltiplos aspectos, hábitos e situações que quantificam positiva e negativamente a forma com que reagimos às exigências da vida.
“Os resultados estabelecem o início de uma série histórica inédita, que será reproduzida periodicamente para acompanhar o comportamento dos diversos aspectos relacionados à saúde mental da população brasileira ao longo do tempo”, explica Maria Fernanda Resende Quartiero, diretora-presidente do Instituto Cactus, entidade filantrópica de direitos humanos dedicada à promoção da saúde mental no Brasil.
Em sua primeira edição, o resultado geral do iCASM ficou em 635 pontos para o 1º trimestre de 2023, numa escala de zero a 1000 pontos – quanto maior, melhor. Para chegar ao índice, os pesquisadores aplicaram questionário usado internacionalmente em avaliações de saúde mental em uma amostra representativa da sociedade brasileira de 2.248 pessoas, de todas as regiões do país.
A metodologia online usada pela AtlasIntel possibilitou uma coleta extremamente ampla, em 746 municípios, muito mais do que seria possível via coleta presencial, explica Andrei Roman, CEO da AtlasIntel, empresa parceira com o Instituto Cactus. “Além disso, por ser anônima e em ambiente virtual, reduz o viés do estigma que o tema de saúde mental carrega, comparado com outras formas de coleta de dados a partir de interação direta com agentes de pesquisa”, completa.
As respostas foram agrupadas em três dimensões: confiança (733 pontos), que reflete a autoestima e a autoconfiança sobre seu papel na sociedade; vitalidade (637 pontos), que diz respeito à disposição e à capacidade de ação para superar desafios e adversidades do cotidiano; e foco (535 pontos), ou a habilidade de se relacionar com o entorno de forma produtiva, conseguindo se concentrar, tomar decisões e realizar as atividades cotidianas.
“Mas é importante que os indicadores sejam lidos em conjunto com os contextos e estruturas sociais em que os grupos estudados estão inseridos”, avisa Maria Fernanda.
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Dinheiro traz felicidade?
Observam-se pontuações mais baixas entre pessoas desempregadas (494 pontos), 186 pontos abaixo dos assalariados e 141 pontos abaixo da média populacional. Da mesma forma, pessoas com menor renda apresentam pontuações abaixo daquelas com maiores salários.
Indivíduos com renda acima de R$ 10 mil alcançam 737 pontos, enquanto aqueles que ganham até R$ 2 mil marcam 576 pontos.
Desigualdade
Os homens obtiveram uma pontuação maior do que as mulheres nas três dimensões do índice, com iCASM médio de 672 pontos, frente aos 600 pontos das mulheres.
Pessoas transgêneras e não-heterossexuais também apresentam pontuações mais baixas quando comparadas a cisgêneras e heterossexuais – sendo válido observar que há contraste relevante entre os tamanhos das amostras, o que aumenta a margem de erro especificamente para estes grupos.
Já a média da população trans ficou em 445 — um dos mais baixos entre todos os grupos demográficos — frente aos 638 pontos dos cisgêneros. Os que se declaram heterossexuais alcançaram 665 pontos frente a 576 do grupo que se identifica como homossexual.
Pessoas identificadas com outras orientações sexuais tiveram pontuações ainda mais baixas, na média.
Família
Indivíduos que relataram relações saudáveis com familiares e amigos apresentaram pontuações mais elevadas. Por outro lado, aqueles que relataram brigas nas semanas anteriores à pesquisa tiveram uma das piores pontuações (370 pontos) entre todas as categorias analisadas.
Esporte e autoestima
Outro fator observado foi a associação entre a prática de esportes e um índice de saúde mental mais elevado. O iCASM de quem não pratica atividade física ficou em 580, chegando até 722 para o grupo que se exercita três ou mais vezes por semana.
A autoestima também se mostrou relevante: indivíduos que disseram duvidar mais da própria beleza ou inteligência tiveram pontuações mais baixas, 384 pontos, praticamente a metade dos 776 do grupo que não relata esse sentimento.
“É interessante observar a associação entre a baixa autoestima, medida aqui tanto do ponto de vista de sentir-se feio ou pouco atraente, quanto do ponto de vista de sentir-se pouco inteligente, e as baixas pontuações do iCASM. A título ilustrativo, aqueles que reportaram ter se sentido feio ou pouco atraentes 3 vezes ou mais nas duas semanas anteriores à coleta apresentaram um iCASM de 384, ante 776 daqueles que não tiveram esse sentimento e 635 da média populacional). Entre aqueles que se sentiram menos inteligentes três vezes ou mais nas duas semanas anteriores à coleta, o iCASM foi de 326, diante de 752 entre os que não tiveram essa preocupação”, conta Mariana Rae, coordenadora de projetos do Instituto Cactus.
Terapia
Além de um módulo fixo, que permitirá a comparação dos dados ao longo do tempo, o iCASM é composto de um módulo variável que, a cada edição, abordará um tema de relevância social do momento. Neste primeiro levantamento, buscou-se identificar como os brasileiros cuidam da saúde mental, trazendo dados sobre acesso a psicoterapia, psiquiatria, medicação e terapias alternativas, além do tipo de serviço acessado (público ou privado), o grau de satisfação com o serviço e o gasto médio com saúde mental nos últimos doze meses.
Do total, 62% não usam serviços de apoio à saúde mental e só 5% relataram fazer psicoterapia – um terço dos que relatam utilizar medicação. Além disso, 41% se dizem insatisfeitos com serviços de saúde em alguma medida.