Se eu tivesse desmaiado naquele dia 14 de agosto de 2018, a história teria sido outra. Eu teria sido socorrida, iria para um hospital e pronto. Mas o meu apagão, quando estava tendo um curto-circuito interno e tive um esquecimento ao vivo em um jornal na TV, era uma dor invisível e, por isso, questionável. Era o burnout. E uma das coisas que aprendi nesses cinco anos é que a dor silenciosa é um sofrimento em dobro. Também descobri que não há uma vida pessoal e outra profissional. A vida é uma só. O que a gente está tentando fazer o tempo inteiro é se dividir. E o burnout é uma das consequências desse desequilíbrio.
O elemento que falta para as pessoas entenderem essa doença ocupacional é saber que estabelecer limites garante a liberdade e a saúde mental. Em uma estrada, tem placa de 80 km/h de velocidade. No dia a dia, a gente se acha demais e vai a 200 por hora. Não entende a diferença entre uma noite mal dormida e uma vida mal dormida, nem que, quanto mais nos encolhemos para caber em um espaço, mais vamos adoecer.
O burnout era uma hecatombe que estava para desabar no mundo quando comecei a falar sobre o assunto. Até então, só se entendia a dor física, algo que veio com o movimento dos bancários abordando a LER (lesão por esforço repetitivo). Com a pandemia, o trabalho entrou em casa e as pessoas não sabiam o que fazer. Assim como não sabem a diferença entre cansaço, exaustão e esgotamento. No burnout, a pessoa perde funcionalidade, deixa de fazer as coisas que fazia. Em 2019, fiquei um ano sem dirigir, mal conseguia ler e compreender textos.
Por essas e outras, não podemos banalizar o termo. Não existe burnout racial, maternal, sexual… essas são outras pautas ligadas a questões estruturais e que precisam ser mudadas, como o racismo e o machismo. O burnout é ligado ao trabalho e só foi incluído na classificação internacional de doenças pela OMS em 2022. Mas descobrimos há pouco tempo que já era uma doença laboral no Brasil desde 1999 por causa de uma atualização do Ministério da Saúde. Então, ainda temos muito a nos aprofundar sobre o tema.
Eu enfrentei uma arrebentação de julgamento, crítica, culpa e medo. E passei a me juntar a instituições para trabalhar com educação em saúde. Comecei a liderar o movimento pela produtividade sustentável, conceito que já levei para Angola, França e Estados Unidos. As empresas no Brasil abrem a porta da frente para eu entrar, porque levo dados e resultados. Está claro que precisamos atualizar uma série de processos e mudar o design organizacional das empresas. No passado, as pessoas trabalhavam para ganhar dinheiro, mas tem dinheiro que custa mais caro se não tiver propósito. Neste ano, lanço um manifesto para reunir pessoas que estejam falando minha língua para discutir sobre EPIs (equipamentos de proteção individual) para a saúde mental. No segundo semestre, tocarei outro projeto com mulheres dentro do Grupo de Prevenção ao Adoecimento no Trabalho.
Hoje, eu não luto mais para falar sobre o burnout. Nem perco meu tempo com quem é negacionista, mesmo com tantas evidências. Foco em quem quer trabalhar com o assunto e posso dizer que abraçar essa causa, depois da Angelina, minha filha de 2 anos e 7 meses, foi a coisa mais bonita que eu fiz. Talvez a história que eu vá contar a ela seja assim: “Filha, você sabia que, lá no passado, não precisava escovar os dentes todos os dias? Hoje, a gente sabe que, para ter saúde bucal, tem de escovar todo dia. É assim com saúde mental: são hábitos que temos de ter todos os dias”. Quero treinar as pessoas e difundir esta mensagem: saber acelerar, quando acelerar e também quando desacelerar.
Izabella Camargo em depoimento dado a Paula Felix
Publicado em VEJA de 8 de março de 2024, edição nº 2883