Fortaleça o jornalismo: Assine a partir de R$5,99
Continua após publicidade

Mortes e internações caem entre vacinados, aponta levantamento exclusivo

Em 26 das 27 capitais brasileiras, participação de quem tem 80 anos ou mais teve queda no total das mortes pela Covid-19

Por Juliana Castro Atualizado em 4 jun 2024, 14h09 - Publicado em 9 abr 2021, 06h00

A calamidade sanitária pela qual passa o Brasil por causa do avanço do coronavírus ganhou novo patamar na terça 6, quando o país rompeu a marca de 4 000 mortes pela Covid-19, recorde alcançado menos de duas semanas após ter cruzado a já infame linha das 3 000 vítimas diárias. Em pouco mais de um ano, 340 000 brasileiros tiveram a vida ceifada pelo vírus. O país chegou à triste condição de, com 3% da população mundial, ter hoje um a cada três mortos pela doença no mundo. Como em toda a tragédia dessa magnitude, muitos foram os erros cometidos, a começar pela descoordenada política de isolamento social, que tem provocado mais balbúrdia e crise do que ajudado efetivamente a conter o vírus. Outro equívoco fatal a ser computado na conta do governo Jair Bolsonaro foi a demora para o início da vacinação. Os primeiros resultados da campanha de proteção contra o coronavírus iniciada por aqui em janeiro deixam evidente que muitas vidas poderiam ter sido poupadas com um esforço maior em busca da imunização em massa desde cedo.

A corrida para diminuir o tamanho da tragédia continua e, combinada ao esforço pelo isolamento social, há a urgente necessidade de uma oferta maior de vacinas. A esperança cabe em um frasco de poucos mililitros e a multiplicação de doses começa a aliviar algumas das trágicas estatísticas nacionais. Depois de quase três meses de repetição de cenas de pessoas felizes recebendo agulhadas, o país colhe os primeiros bons resultados dessa ação. A pedido de VEJA, a ONG Impulso Gov, que acompanha os dados da pandemia e da imunização, fez um levantamento que constatou um efeito positivo entre os pioneiros na fila da vacinação: em 26 das 27 capitais (a exceção foi Macapá), caiu a participação de quem tem 80 anos ou mais no total das mortes (veja o quadro abaixo). Em dezenove delas também despencou o porcentual desse grupo no total de hospitalizações por síndrome respiratória aguda grave (SRAG). “O perfil de internações e dos óbitos tem sofrido mudanças recentemente, com mais jovens e menos idosos nessa proporção. É difícil isolar apenas o efeito da vacinação, mas, pelo que vimos nos Estados Unidos e em Israel, é plausível que seja por causa da imunização”, diz Marco Brancher, coordenador de análise de dados para governo da plataforma. “Se não houvesse a vacinação, não haveria motivo para essa redução proporcional de internação e especialmente óbitos entre os mais idosos”, concorda o coordenador do Centro de Contingência da Covid-19 do Estado de São Paulo, Paulo Menezes.

arte covid idosos

Mesmo em locais críticos da pandemia, como Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, houve quedas expressivas entre os mais velhos. Dados da prefeitura paulistana indicam que o número de mortes entre quem tem mais de 80 anos caiu acima de 50% entre janeiro e março. “Essa redução se deve a uma combinação de fatores: vacinação e uma mudança de protocolo que introduziu alguns exames para identificar os pacientes que tendem a piorar”, afirma o secretário municipal de Saúde, Edson Aparecido. No Rio, as mortes de idosos de 80 a 89 anos caíram quase 65% entre dezembro e março. No Distrito Federal, a queda nas internações em UTI de pessoas com mais de 80 anos foi de 58% desde janeiro.

ALERTA - Avenida vazia em Santiago: a alta taxa de vacinação não impediu uma segunda onda da doença no Chile -
ALERTA - Avenida vazia em Santiago: a alta taxa de vacinação não impediu uma segunda onda da doença no Chile – (Martin Bernetti/AFP)

Esses efeito positivo da imunização poderia estar em um estágio bem mais avançado, não fosse a negligência do governo federal. Bolsonaro desdenhou da Covid-19, não se empenhou pela aquisição de vacinas e desprezou a iniciativa do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), de apostar na CoronaVac, até hoje a vacina mais aplicada no país (bem atrás vem a AstraZeneca/Oxford, desenvolvida em parceria com a Fiocruz). O Ministério da Saúde chegou a rejeitar uma oferta de 70 milhões de doses feita pela Pfizer em agosto. Quando o presidente começou a ser cobrado pela falta de imunizantes, disse, em meio à corrida global dos países por doses, que eram as farmacêuticas que deveriam procurar o Brasil. Agora, para tentar conter danos em razão da queda de popularidade e da pressão política, tenta colar a versão de que sempre apoiou a vacinação. O país aplicou até aqui quase 30 milhões de doses — sendo mais de 20 milhões de primeira dose. Em igual número de dias, os Estados Unidos vacinaram 78 milhões de pessoas. Detalhe: o impulso se deu com a chegada de Joe Biden, que derrotou o negacionista Donald Trump, ídolo de Bolsonaro.

Continua após a publicidade

A dificuldade para viabilizar a compra e entrega de vacinas tem se refletido no voo cego que é o planejamento da vacinação no país. Depois de entregar menos do que havia previsto em fevereiro e março, o governo acena para uma nova frustração em abril, mês que para muitos seria uma espécie de virada na marcha lenta da imunização: vai entregar apenas 53% dos 47,3 milhões de doses previstas. “Chegamos a um ponto em que está diminuindo a faixa de idade para a vacinação e isso aumenta muito o público-alvo. Então, precisamos ter uma confirmação certeira e garantida do ministério de quantas doses receberemos”, cobra o presidente da Frente Nacional de Prefeitos, Jonas Donizette. Enquanto 79% dos idosos com 80 anos ou mais receberam ao menos uma dose, esse porcentual cai para 4% entre aqueles com 60 a 64 anos.

CORRIDA - Porto Alegre: lote de 600 000 doses de CoronaVac chega à cidade -
CORRIDA – Porto Alegre: lote de 600 000 doses de CoronaVac chega à cidade – (Gustavo Mansur/Palacio Piratini/.)

Apesar de os resultados preliminares apontarem quanto a vacinação funciona no combate a essa epidemia, especialistas são unânimes em afirmar que ela tem de ser combinada com isolamento social. Segundo a Fiocruz, isso precisa ocorrer até que 70% da população esteja vacinada. Um dos exemplos recentes de que o fechamento total surte efeito é Araraquara, no interior de São Paulo. Com o sistema de saúde à beira do colapso, a prefeitura decretou lockdown em fevereiro e, desde então, houve uma redução de 75% nos óbitos.

Além da experiência caseira, há exemplos bons e ruins lá fora para o Brasil calibrar os seus próximos passos. Um deles é o Chile, onde 7 milhões dos 19 milhões de habitantes foram imunizados, mas o bom desempenho não freou o aumento dos casos. “A população não esperou a imunização ter resultado e relaxou o isolamento. As pessoas ficaram mais expostas, com uma nova variante que é mais transmissível e mais agressiva”, analisa Erika Manuli, pesquisadora do Instituto de Medicina Tropical da USP. Por outro lado, a vacinação avançada nos Estados Unidos, Reino Unido e Israel, combinada ao lockdown, traz inspiração. Os americanos registraram 252 000 casos por dia em janeiro — hoje, estão em 62 000. A previsão do presidente Joe Biden é que até 19 de abril todos os adultos terão recebido ao menos uma dose. No grupo que inclui Brasil, Estados Unidos, México, Índia, Reino Unido, Rússia e Itália, países que tiveram mais de 100 000 óbitos por Covid-19, o Brasil é o único que apresenta tendência crescente e contínua — todos os demais estão entre as nações que mais vacinam no mundo.

Embora tenha atingido nesta semana a marca de 1 milhão de vacinados por dia (ritmo que acabou não se sustentando), o Brasil ainda perde energia em discussões estéreis, como o uso de medicamentos sem comprovação científica contra a doença, uma obsessão de Bolsonaro. Na quarta 7, ele foi a Chapecó (SC) para elogiar o prefeito local pelo uso do chamado tratamento precoce — a cidade, no entanto, teve alta de casos e mortes neste ano e está com 100% dos leitos de UTI ocupados. Levantamento da consultoria Quaest mostra que o presidente aborda o tratamento precoce em 29% de seus textos e vídeos publicados neste ano nas redes sociais e que suas postagens somadas atingiram 4,98 milhões de pessoas. Ou seja, mesmo com milhares de cadáveres por dia no país, lamentável e inexplicavelmente, Bolsonaro continua jogando a favor do vírus. Menos cloroquinas e mais vacinas, é disso que o Brasil precisa no momento.

Continua após a publicidade
NA FILA - Paulinho da Viola: o músico de 78 anos faz parte do grupo prioritário -
NA FILA - Paulinho da Viola: o músico de 78 anos faz parte do grupo prioritário – (Reprodução/Instagram)

O ainda desorganizado esforço estatal necessário para acelerar a imunização deu margem a um movimento que, mal planejado, pode gerar ainda mais confusão. Na última quarta, a Câmara aprovou projeto que autoriza a iniciativa privada a comprar vacina para proteger seus funcionários. A condição é que os empresários doem 50% ao Sistema Único de Saúde e que as compras sejam concretizadas depois que os laboratórios entregarem o que foi acordado com o governo. A iniciativa, que ainda precisa passar pelo Senado, é interessante, mas precisa ser mais bem debatida e obedecer às regras determinadas pelo poder central (problema: ainda não temos isso). Além da criação de uma fila dupla de vacinação, algo confuso do ponto de vista da organização, especialistas chamam atenção para o risco de se abrir uma brecha para a aquisição de imunizantes ainda não aprovados pela Anvisa.

Em meio à polêmica da entrada em cena da iniciativa privada, o poder público corre para tentar garantir que as remessas prometidas efetivamente cheguem no prazo. Até dezembro, estão garantidos por contratos mais de 400 milhões de doses. O perigo é que, diante da forte demanda mundial pelos produtos, atrasos como o ocorrido em abril podem voltar a se repetir. Por essa razão, a Impulso Gov fez projeções com base em diferentes possibilidades de número de doses. No pior cenário, em que se presume que apenas metade da projeção de produção nacional será realizada, o país vacinará os mais de 73 milhões de indivíduos dos grupos prioritários até o fim do ano. Numa projeção menos catastrófica e mais realista, o prazo para o término dessa etapa ocorrerá em junho. Mais vacinas e mais isolamento social — não há outra receita hoje para salvar vidas no país.

Publicado em VEJA de 14 de abril de 2021, edição nº 2733

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

a partir de 39,96/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.