De um lado, atletas que dependem do máximo desempenho para o seu ganha-pão. Do outro, esportistas amadores que se desdobram entre treinos nas academias, nas ruas e nas quadras. Em comum, especialmente com o rigor do exercício e o avançar da idade, há o risco de lesões à espreita. Diante de danos cada vez mais frequentes em joelhos, ombros e companhia, a medicina esportiva corre atrás de soluções para aprimorar a reabilitação e a performance dos praticantes. Nesse campo, despontou o sucesso da oxigenoterapia hiperbárica, validada em estudos e a grande atração nos clubes do país.
A tecnologia pode até lembrar uma invenção de filme de ficção científica, mas parte de conceitos da física conhecidos há décadas por profissionais da saúde. Funciona assim: o paciente entra numa câmara vedada por um vidro e, ali, permanece sob o efeito de oxigênio a 100% — para se ter ideia, o ar que respiramos normalmente contém 21% de oxigênio. Nesse ambiente, o corpo é submetido a uma pressão duas vezes maior que a pressão atmosférica usual. Seria o equivalente a fazer um mergulho no mar a 20 metros de profundidade. Isso faz com que as moléculas de oxigênio, além de serem transportadas pelas partículas de hemoglobina no sangue, circulem direto pelo plasma, a fração predominante no líquido vermelho. “É como se o plasma fosse o rio, e as hemoglobinas, os barcos. Então, em vez de o oxigênio ser levado apenas pelas embarcações, ele navega também pelas águas do rio”, compara Marcos Demange, professor do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
Essa enxurrada de oxigênio nos tecidos, por sua vez, acelera significativamente a recuperação de lesões e o pós-operatório. “Ela estimula a atividade das células na região afetada, permitindo uma cicatrização mais rápida e eficiente”, diz Demange, que acaba de publicar um estudo que constata o potencial da câmara hiperbárica depois da reconstrução do ligamento cruzado anterior do joelho por cirurgia. O apelo, claro, é enorme no meio dos atletas profissionais. E, não à toa, times como Palmeiras, Flamengo, Corinthians, Grêmio e Atlético Mineiro já aderiram à oxigenoterapia — aliás, não confunda com ozonioterapia, tratamento que ainda carece de comprovações científicas.
O trunfo da tecnologia é levar a molécula da vida a áreas do corpo que podem estar sofrendo com uma baixa oxigenação. Desse modo, há um novo fôlego para o organismo consertar danos ao sistema muscular e esquelético. De olho nesse efeito, o núcleo de saúde e performance do Palmeiras já adquiriu duas câmaras. O clube utiliza o tratamento em jogadores que passaram por cirurgia, sofreram lesões osteomusculares ou vieram de um período de atividades intensas. “Notamos resultados satisfatórios tanto na percepção de fadiga e no tempo de recuperação quanto na qualidade da reparação dos tecidos lesionados”, afirma Pedro Pontin, coordenador médico do clube paulista.
Os benefícios são sentidos durante o tratamento e duram até trinta horas. “O paciente faz cinco ou seis sessões de uma hora que, do ponto de vista prático, representam muito menos tempo do que se gasta fazendo fisioterapia”, diz Demange, para quem a inovação tem tudo para se popularizar, não apenas entre atletas de elite.
A oxigenoterapia faz parte, na verdade, de uma safra de invenções que visam melhorar o desempenho e a saúde de quem pratica esportes. Nos times de futebol, programas de GPS monitoram as cargas e os desgastes a que os craques estão expostos. “Os atletas utilizam ainda outros dispositivos wearables, como cintas e braceletes, que nos ajudam a entender como seu corpo reage a determinados estímulos” , afirma Pontin. Softwares que ajudam a personalizar o reparo de lesões e terapias regenerativas biológicas também poderão ser escalados nas pranchetas de médicos e treinadores. Afinal, com torneio ou metas à vista, não há tempo a perder.
Publicado em VEJA de 8 de março de 2024, edição nº 2883