Novo estudo comprova que o bom humor traz vantagens até no trabalho
É possível aprender a ser brincalhão. Além de deixar o cotidiano mais divertido, essa característica traz benefícios para o bem-estar pessoal e profissional
Depois de seis meses da pandemia do novo coronavírus, e do número terrível de pessoas contaminadas ou mortas pela doença, promover a ideia de uma boa gargalhada pode passar a interpretação equivocada sobre o que tem sido o ano de 2020. De fato, ele trouxe muito desalento, mas sorrir não faz mal a ninguém. Muito pelo contrário. Na foto ao lado, que escancara uma aglomeração não recomendada em tempos de distanciamento social, sem máscaras a cobrir os rostos, a combinação entre alegria, diversão e sorrisos largos é, sob diversos aspectos, um alento: boas risadas trazem, sim, a lembrança de que a vida pode ser bela. O que parece ser apenas uma constatação do senso comum começou a despertar a curiosidade dos cientistas. Pesquisadores de universidades na Alemanha, Suíça e Estados Unidos decidiram investigar se a característica brincalhona que existe naturalmente em algumas pessoas poderia ser estimulada e desenvolvida por qualquer um. A partir disso, os especialistas olharam para os efeitos desse traço nos indivíduos e a influência que exerceria nas suas emoções. O resultado não pode ser mais otimista: o bom humor é um santo remédio para o bem-estar pessoal e profissional.
Na vida adulta, quando a passagem dos anos é marcada pelo acúmulo de responsabilidades, compromissos, contas a pagar (os famosos boletos), problemas no trabalho etc., etc., a seriedade define o comportamento das pessoas. Para uma entrevista de primeiro emprego, por exemplo, o recomendado é ter uma apresentação dentro de um padrão considerado respeitável na forma de se vestir e de se portar. O critério costuma ser a base de referência para as decisões relevantes na vida, e os adultos com frequência se esquecem do potencial benéfico que as brincadeiras podem trazer para a rotina, inclusive no ambiente corporativo. Essa foi a principal conclusão do estudo estrangeiro. Ao longo de uma semana, os participantes da pesquisa fizeram exercícios para estimular a capacidade de brincar — os resultados mostraram os inequívocos benefícios de manter o bom humor mesmo em situações difíceis.
O psicólogo da universidade alemã Martinho Lutero de Halle-Vitemberga, René Proyer, um dos autores do estudo, diz que estratégias simples podem deixar as pessoas mais satisfeitas com a vida. “Os brincalhões têm aversão ao tédio”, afirma. “Eles conseguem transformar praticamente qualquer situação diária em uma experiência divertida ou pessoalmente envolvente.” Essa habilidade se estende a tarefas de trabalho e do cotidiano. O inovador foi identificar que se trata, literalmente, de uma habilidade, e não somente uma característica relacionada à personalidade de cada um. Conforme revelado pela pesquisa, com o devido estímulo e treinamento, toda pessoa pode incluir a brincadeira no dia a dia e deixar a rotina menos pesarosa.
Ao mesmo tempo que é um campo a ser desvendado pela ciência, há quem tenha a diversão como filosofia de vida. Para o ator, palhaço e empreendedor social Wellington Nogueira, fundador da organização Doutores da Alegria, que leva a palhaçada para o ambiente hospitalar, o ato de brincar é a chave para se adaptar a um mundo em constantes transformações. No caso da organização, não há dúvidas de que a brincadeira é bastante séria: desde 1991, mais de 1,7 milhão de intervenções foram feitas junto a crianças hospitalizadas, seus acompanhantes e profissionais de saúde. Atualmente, Nogueira conduz um curso na escola The School of Life, em que ensina sobre a necessidade de mais brincadeiras na vida adulta. “Enquanto brincamos, exploramos novas possibilidades”, diz. “A diferença é que será sem traumas, de forma leve e da maneira como fazíamos quando crianças: correr, cair, levantar, seguir em frente e encontrar outro experimento faz parte do jogo.”
Assim como dentro de um hospital, onde o humor pode ser o melhor remédio para esquecer, mesmo que por poucos minutos, aquilo que assombra e atormenta, o sorriso é também uma válvula de escape para lidar com situações adversas. Na política, o ex-primeiro-ministro do Reino Unido Winston Churchill (1874-1965) ficou conhecido pela sagaz ironia e os trejeitos típicos do humor inglês. Em reuniões do governo, não raro Churchill ria de si próprio, ou lançava mão de tiradas que desmontavam até os espíritos mais severos. Não à toa, Churchill foi um dos líderes mais respeitáveis da história, tendo papel decisivo na derrota da Alemanha de Hitler na II Guerra. É curioso também observar como registros históricos mostram que os sorrisos fartos estavam presentes até nos escombros das guerras. Uma das fotos que ilustram esta reportagem é exemplo disso: soldados ingleses entrincheirados em 1940 gargalham mesmo em um ambiente que remete à morte e à destruição. Não seria o caso de, em uma tragédia como a pandemia do coronavírus, usar o mesmo artifício?
Para o palhaço e palestrante Marcio Ballas, o riso e a brincadeira são mecanismos que ajudam a ter algum alívio em meio à dureza da vida. “A questão é aprender a dar risada de si, em primeiro lugar”, afirma. “Dentro de casa, se você colocou a máscara e percebeu que ela está ao contrário, tenha a liberdade para se divertir com isso.” Ele também destaca o aspecto científico da boa risada: quando ela vem, há o relaxamento de músculos e a liberação de hormônios da felicidade, como a serotonina. Depois disso, em geral é possível lidar melhor com situações difíceis.
Enquanto estiver no campo de práticas saudáveis e do respeito com as pessoas, não há mal nenhum em se divertir com a rotina, em permanente toada lúdica. A imagem mais conhecida do físico alemão Albert Einstein (1879-1955), um dos grandes ícones da ciência, não é uma cena de laboratório ou em algum outro ambiente notável. Einstein foi eternizado pela pose com a língua de fora, e isso nem de longe afetou a sua reputação de gênio. Ele era um pesquisador sério e inovador, mas não precisou ser sisudo para conceber as suas teorias.
Não é de hoje que a ciência se debruça sobre o assunto. Diversos estudos já mostraram que as angústias do indivíduo mal-humorado liberam hormônios como a adrenalina, o que causa palpitação, arritmia cardíaca, dor de cabeça e dificuldades na digestão. Evidentemente, não está se sugerindo aqui que as pessoas riam de tudo e de todos, especialmente se a situação exigir certa sobriedade. A questão é diferente. Ser rabugento é um estorvo para si próprio e para os outros. Ou seja: aproveite a vida e, quando possível, não hesite em dar uma bela gargalhada. Mesmo agora.
Publicado em VEJA de 9 de setembro de 2020, edição nº 2703