O adeus às máscaras: 2022 marcou fim da fase mais dura da pandemia
Entre as lições fica o valor da ciência e da solidariedade
Se uma canção pudesse traduzir a foto ao lado, seria Alegria, Alegria, de Caetano Veloso. Por três motivos: o título, que batizaria a imagem tranquilamente, os versos iniciais, ao descreverem um feliz cidadão caminhando contra o vento, sem lenço, sem documento, e a incrível leveza que dela exala. Pois não há retrato mais apropriado para sintetizar o êxtase experimentado no mundo com o “fim” da pandemia de Covid-19. Ainda não o encerramento oficial, a ser anunciado em breve pela Organização Mundial da Saúde (OMS) se tudo continuar indo bem, como as projeções indicam, mas o término da face mais dura da crise sanitária que, durante três anos, tirou a vida de cerca de 7 milhões de pessoas, em contas conservadoras, e transformou a forma como nos relacionamos uns com os outros, com nossa casa, nosso trabalho e nossos sentimentos.
O ano chega ao fim reproduzindo o que os cientistas previam ainda em 2021 em relação à evolução da pandemia. Surtos de quando em quando, como esse que ocorre neste momento em alguns países e também no Brasil, alimentado por mais uma subvariante da ômicron, mas seguindo uma linha consistente de queda no número de casos e de mortes. As máscaras, companheiras inseparáveis por cerca de dois anos, voltaram ao armário. A vida encontrou o seu normal, não como antes, mas também sem mudanças impactantes. O retorno ao trabalho aconteceu, viagens, shows e outros espetáculos entraram no calendário novamente e os reencontros, tão adiados pelo isolamento, puderam ocorrer com segurança.
Nada disso teria sido possível sem a combinação de duas circunstâncias. Uma, historicamente esperada. Outra, incrivelmente excitante. A primeira: outras pandemias mostraram que os vírus se transformam ao longo do tempo, adquirindo formas mais transmissíveis, porém menos letais. Eles seguem nesse processo até saírem do estado pandêmico para entrar no modo endêmico, quando permanecem entre nós capazes ainda de causar doença e surtos, mas sem o poder de destruição inicial. O SARS-CoV-2 encontra-se nesse estágio. Ele veio para ficar, porém não mais para aterrorizar o mundo. Até esse momento da transição viral, contudo, a humanidade poderia ter sofrido muito mais se não fossem as vacinas — eis o segundo movimento extraordinário —, desenvolvidas em tempo recorde e às quais se atribuem centenas de milhões de vidas salvas. Hoje, boa parte dos países chegou ou ultrapassou a marca dos 70% de suas populações vacinadas, meta determinada pela OMS como uma das mais relevantes a ser alcançadas para a decretação do fim da emergência sanitária internacional.
A humanidade sai da pandemia com lições aprendidas e tarefas a ser cumpridas. Entre os ensinamentos mais valiosos está o valor da ciência, da solidariedade e das relações afetivas. À frente está o desafio de impedir a eclosão de novas tragédias. Há conhecimento e recursos para isso. É preciso, no entanto, compreensão por parte dos países de que, para dar certo, as ações devem ser conjuntas, contínuas e consistentes.
Publicado em VEJA de 28 de dezembro de 2022, edição nº 2821