O aumento preocupante de infartos em pessoas com menos de 40 no Brasil
Enquanto entre os idosos os números tendem a se estabilizar, salto de internações entre os mais jovens foi de 59% em nove anos no Brasil
“No início de 2018, comecei a sentir uma dor no peito que irradiava para o pescoço quando fazia esforço físico. A dor começou leve, mas piorou ao longo do tempo. Até que um dia fui ao cinema e, na caminhada do estacionamento até lá, ela veio muito forte e não diminuiu com o repouso. Fui para o hospital e descobri que três artérias estavam entupidas. Em uma delas, a obstrução era superior a 70%. Em menos de um ano, passei por uma cirurgia de ponte de safena e coloquei três stents.”
O relato do advogado Thiago de Melo Cavalcante, de 36 anos, choca. Com menos de 40 anos, seu coração passou por uma prova de fogo dificílima, do tipo que até poucos anos atrás era vista apenas em pessoas mais velhas. Infelizmente, histórias como a de Thiago se multiplicam no Brasil e no resto do mundo. O coração jovem, aquele que todos imaginam pulsar com força e vitalidade, anda batendo fora de compasso. Dados do Ministério da Saúde indicam que entre 2010 e 2019 houve um aumento de cerca de 59% nas internações de pessoas de até 39 anos por infarto e de 9% nas mortes. Nos Estados Unidos, um estudo revelou que, na última década, a proporção de pessoas com menos de 40 anos que sofreram um ataque cardíaco aumentou 2% ao ano. Diz o cardiologista Roberto Kalil, diretor do Instituto do Coração (InCor): “Ao contrário do que tem acontecido com as faixas etárias mais idosas, nas quais se observa melhor controle dos fatores de risco, há um aumento na prevalência de comorbidades em jovens, especialmente obesidade e hipertensão, o que deixa essa população mais suscetível ao desenvolvimento de complicações vasculares como o infarto”.
A principal causa desse evento cardíaco é a aterosclerose, doença caracterizada pelo acúmulo de gordura, colesterol e outras substâncias no vaso sanguíneo. Com o passar do tempo, pode haver entupimento da artéria e interrupção do fluxo sanguíneo para o coração, o que leva ao infarto. A área do músculo cardíaco que deixou de ser irrigada perde sua funcionalidade, prejudicando a capacidade de bombeamento do sangue pelo coração para o resto do corpo. Os fatores de risco são diabetes, obesidade, hipertensão, tabagismo e dislipidemia (alta taxa de colesterol ruim, o LDL, e baixa concentração do colesterol bom, o HDL). Em relação a eles, os números traçam um panorama preocupante. Dados da última Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) indicam que mais da metade da população brasileira está acima do peso e 19,8% estão obesos. É o maior índice de obesidade nos últimos treze anos, segundo o Ministério da Saúde. No mesmo período, houve um aumento de 40% no total de adultos diabéticos no país. Em 2006, eram 5,5%; em 2018, subiu para 7,7%.
Essas condições valem para jovens e idosos. Mas há peculiaridades que agravam os riscos em quem tem menos de 40, 45 anos. O uso de drogas, em especial cocaína, a genética, doenças congênitas, inflamatórias e trombóticas e hereditariedade estão entre elas. No ramo materno da família de Thiago, por exemplo, tinha casos de doença cardíaca. O estilo de vida adotado pelos mais jovens é outra marca por trás dos infartos nessa faixa etária. Sabe-se que sedentarismo, stress e má alimentação formam uma trinca muito perigosa e é sob sua influência que vive grande parte dos adultos jovens, imersos em mercados de trabalho competitivos, nos quais há pouco espaço para uma rotina saudável.
A pandemia de Covid-19 piora o cenário. Além de a doença em si aumentar o risco de problemas cardiovasculares, também pesam suas consequências para a saúde mental, que incluem aumento de ansiedade e depressão, condições relacionadas à piora da saúde cardíaca. “Estamos vivendo uma epidemia de doença cardiovascular, que é a principal causa de mortalidade no país. A pandemia vai piorar isso”, alerta a cardiologista Ludhmila Hajjar, da Rede D’Or São Luiz.
Dor no peito, que pode irradiar para o braço esquerdo, abdômen ou pescoço, falta de ar, mal-estar, sudorese, fadiga e náusea são fortes indicações de infarto. Mas a presença de sintomas atípicos ou a ausência deles dificulta o diagnóstico em jovens. “O desafio nessa população é a ausência de sinais de infarto. Por isso tem de fazer a prevenção”, afirma o cardiologista Antonio Carlos Chagas, presidente do departamento de aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia. De fato, pesquisa realizada na Suécia após a análise de dados de mais de 25 000 participantes sem doença cardíaca aparente revelou que 40% já apresentavam algum grau de aterosclerose e não sabiam.
Metade dos infartos pode ser prevenida apenas com alterações no estilo de vida. Parar de fumar, qualquer tipo de cigarro, é considerado o mais decisivo. “O tabagismo está aumentando entre jovens. Se conseguíssemos aboli-lo no Brasil, reduziríamos em 30% a mortalidade pelo infarto”, diz o cardiologista Leopoldo Piegas, coordenador do Programa de Infarto Agudo do Miocárdio do HCor. A manutenção de outros bons hábitos, como adotar uma dieta com baixo consumo de gordura e sal, praticar exercícios regularmente e cuidar da saúde mental, também é fundamental, assim como a realização de exames periódicos. Para evitar surpresas, quem apresenta condições que favorecem a ocorrência de um infarto deve fazer consultas e testes anualmente. Aqueles cujos pais manifestaram doença cardíaca precoce — antes dos 55 anos para homens e 65 anos para mulheres — precisam começar o check-up por volta dos 20 anos. “Todos necessitam ter a pressão arterial aferida e realizar pelo menos um exame de colesterol e glicemia antes dos 40 anos”, recomenda o cardiologista Marcelo Sampaio da BP, a Beneficência Portuguesa de São Paulo. Não se pede que os jovens sejam submetidos a pacotes de testes clínicos e de imagem sem propósito. Uma boa consulta e exames simples feitos todo ano e uma vida mais saudável são suficientes na maioria das vezes para que o coração continue a bater no compasso certo.
Publicado em VEJA de 6 de outubro de 2021, edição nº 2758