No século XIX e no início do XX, os óculos do tipo pincenê (do francês pince-nez, pinçar o nariz), sem hastes, adornavam o rosto de figuras como o escritor Machado de Assis (1839-1908) e o poeta e cronista Olavo Bilac (1865-1918). Outro modelo, o lorgnette, acompanhado de alça, eliminando, portanto, o apoio no rosto, era objeto de desejo nas apresentações de balé e de canto lírico — originalmente nas galerias da Ópera de Paris, mas não tardou a desembarcar por aqui.
Era chique, era bonito, evidentemente discreto, mas era sobretudo um manifesto comportamental. “Dava um ar de certa arrogância, como quem diz que só vê o que quer, na hora que bem desejar”, diz João Braga, professor de história da moda na Fundação Armando Alvares Penteado, de São Paulo. Essa postura, um modo mais distante e controlado de enxergar o mundo, como sugere Braga, associada às exigências da vida moderna de produtos fáceis de carregar, pode estar por trás do renascimento dessas duas peças.
O pincenê e o lorgnette voltaram à moda. “O público feminino pode sair de casa sem bolsa, só com o celular”, diz Roberto Adler, diretor da ThinOptics, que comercializou 6 000 unidades dos artigos em 2019 e estima aumentar as vendas em 40% neste ano. Há tanto interesse que já é possível encontrá-los até em livrarias, na versão chaveiro ou finíssimos, para colocar dentro da capinha do smartphone. Os preços variam muito — vão de 180 reais, para os pincenês usados como lente de aumento, a mais de 800 reais, no caso dos lorgnettes de alças caprichadas, tratadas como colares, como os da grife italiana Fassamano.
É sempre difícil entender por que isso ou aquilo estoura nas lojas. Trata-se de um exercício inútil. Mas há uma regra incontornável: a valorização das peças retrô, porque a história é sempre o melhor professor. “Uma das características da moda contemporânea é visitar o passado e trazê-lo com um design atualizado”, diz Braga, o especialista. Se o que vale mesmo é dar um pulinho lá atrás, convém lembrar o comentário irônico de Machado, emoldurado pelo pincenê, em um dos capítulos de Memórias Póstumas de Brás Cubas, “A ponta do nariz”: “O nariz foi criado para uso dos óculos”. Será?
Publicado em VEJA de 12 de fevereiro de 2020, edição nº 2673