Paciente que recebeu rim de porco e foi operado por brasileiro recebe alta
Richard Slayman disse que vive 'um dos momentos mais felizes' de sua vida; xenotransplante é esperança para reduzir filas de transplantes de órgãos
Richard Slayman, de 62 anos, o primeiro paciente do mundo a receber um rim de porco geneticamente editado teve alta nesta quarta-feira, 3, quase 20 dias depois do pioneiro procedimento liderado pelo nefrologista brasileiro Leonardo Riella, diretor médico de transplante renal do Massachusetts General Hospital, localizado em Boston, nos Estados Unidos.
“Sair do hospital com um dos atestados de saúde mais limpos que já tive em muito tempo é um momento que eu desejava que chegasse há muitos anos. Agora, é uma realidade e um dos momentos mais felizes da minha vida”, disse “Rick”, como é conhecido, em nota de agradecimento divulgada pelo hospital. “Estou entusiasmado por voltar a passar tempo com a minha família, amigos e entes queridos, livre do fardo da diálise que afetou a minha qualidade de vida durante muitos anos”, completou.
Slayman declarou que o transplante marca a possibilidade de recomeço não só para ele, mas para todos que aguardam por um rim, e afirmou que sua “recuperação está progredindo sem problemas”. Por fim, pediu que sua privacidade seja respeitada neste momento.
A divulgação sobre o sucesso do xenotransplante (transplante, infusão ou implantação de órgãos de espécies diferentes), que durou quatro horas e foi realizado em 16 de março, foi feita pelo hospital menos de uma semana após o procedimento.
“Fiquei emocionado no anúncio quando falei da nossa equipe. Foi uma dedicação muito intensa. Dia e noite, nossa equipe estava dando a alma e mais um pouco para que desse certo”, disse Riella, em entrevista a VEJA, após o anúncio.
Paciente com doença renal em estágio terminal, diabetes tipo 2 e hipertensão, Slayman já tinha sido transplantado em 2018 após sete anos fazendo diálise. No ano passado, o órgão começou a apresentar falhas e ele teve de retomar as sessões. No entanto, apareceram complicações vasculares e o paciente precisava ir ao hospital a cada duas semanas. Nesse processo, chegou a realizar 16 procedimentos cirúrgicos para corrigir as intercorrências. Agora, com o novo rim, continuará sendo monitorado com consultas e exames — da mesma forma que qualquer pessoa submetida a um transplante.
O órgão suíno foi fornecido pela empresa eGenesis e submetido a 69 edições genômicas com a tecnologia CRISPR-Cas9, também conhecida como “tesouras mágicas” e que foi laureada com o Prêmio Nobel em 2020. Além da remoção de genes que causariam rejeição, foram adicionados genes para melhorar a compatibilidade em humanos.
Líder brasileiro
Formado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Riella fez doutorado na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e residência no Brigham and Women’s Hospital. Ele mora nos Estados Unidos há 20 anos e é professor associado na Harvard Medical School.
Embora tenha liderado o grupo que atingiu o feito inédito no universo dos transplantes, ele credita o sucesso ao trabalho de cada profissional que participou do procedimento. “É um trabalho de equipe, cada um traz uma parte da sua experiência e as estrelas acabam se alinhando. Estou orgulhoso e muito feliz por poder ter uma equipe tão colaborativa com objetivo de melhorar a qualidade de vida dos pacientes.”
Segundo o médico, a técnica também é uma forma de reduzir o sofrimento das pessoas que aguardam em filas de transplante por causa do número de doadores abaixo da demanda.
“O xenotransplante era para ser a maior frente de transplante há mais de 30 anos, mas tivemos muitos desafios. Só nos últimos dez anos que observamos mudanças e o CRISPR permitiu que corrigíssemos diferenças que causam rejeição. É uma solução promissora para a crise de escassez de órgãos que enfrentamos.”
Segundo a Rede Unida para Compartilhamento de Órgãos (UNOS), mais de 100 mil pessoas nos Estados Unidos esperam por um transplante e 17 pessoas morrem todos os dias na fila. O rim lidera o ranking de órgão mais demandado.
Xenotransplante
Em 2021, uma equipe da Universidade de Nova York transplantou um rim suíno com material genético alterado, mas em um paciente com funções vitais mantidas por aparelhos.
No ano seguinte, o americano David Bennett, então com 57 anos, se tornou o primeiro ser humano vivo a ser submetido a um xenotransplante com coração suíno geneticamente modificado.
A cirurgia foi feita no Centro Médico da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos. Bennet tinha uma cardiopatia grave em estado terminal e morreu em março de 2022, dois meses após a cirurgia.