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Pesquisadores desbravam lugares inóspitos para caçar vírus mortais

Cientistas se embrenham na mata, vasculham cavernas e viajam para locais complicados em busca de patógenos que possam desencadear a próxima epidemia

Por Sabrina Brito Atualizado em 4 jun 2024, 15h47 - Publicado em 7 ago 2020, 06h00
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  • A pandemia do novo coronavírus deixou uma dura lição para a ciência: é preciso deter os vírus mortais antes que causem tragédias. Estima-se que existam 1,6 milhão de agentes infecciosos alojados em mamíferos e aves — metade deles poderia migrar para os humanos. E o que é mais grave ainda: pouco se sabe a respeito desses seres invisíveis. Para jogar luz em um campo inexplorado, diversas organizações internacionais decidiram ampliar os estudos que buscam mapear, capturar e analisar a estrutura do maior número possível de vírus ocultos na natureza. A ideia é identificar aqueles com alto poder de contágio e, a partir daí, antecipar pesquisas que possam impedir a sua disseminação. Só existe um caminho possível para isso: literalmente, sair à caça dos vírus. Nos últimos meses, cientistas destemidos, que mais se assemelham aos grandes aventureiros ou descobridores, têm se embrenhado em cavernas escuras, florestas remotas e outros lugares inóspitos para coletar amostras que, mais tarde, vão compor um grande banco de dados sobre vírus causadores de doenças.

    Fundado em 2009 pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional, o programa Predict recebeu, no auge da pandemia, uma injeção de 2 milhões de dólares do governo americano para que mais regiões sujeitas a zoonoses sejam esquadrinhadas pelos cientistas. Em junho, pesquisadores das Universidades Harvard e Princeton, também dos Estados Unidos, elaboraram um projeto que se propõe a reunir dados obtidos a partir de milhões de amostras de sangue e outros fluidos humanos. “Há duas formas de rastrear a próxima epidemia: procurar pelos vírus e bactérias ou monitorar as reações do sistema imunológico humano”, diz a integrante da equipe do laboratório americano Abbott, Jessica Metcalf. “A primeira opção é como procurar uma agulha em um palheiro.” Com as amostras colhidas, os pesquisadores poderão observar as respostas imunológicas normais das pessoas saudáveis e, depois, procurar por perfis que indicariam o surgimento de doenças.

    Global Health Program sampling bumble bee bat in Kjwe Min Gu Cave
    NO LABORATÓRIO - Morcego: o animal mais visado para estudos – (Roshan Patel/GHP/.)

    O objetivo primordial do programa de caça aos vírus não é evitar o surgimento de pandemias, mas poupar o tempo de resposta a elas, recurso extremamente precioso. “Poderemos suavizar os efeitos da epidemia com ações como vacinação em massa, adaptação de hospitais e preparação para o impacto financeiro”, afirma Jessica. O laboratório Abbott tem no currículo um feito notável que comprova a teoria. Sua equipe de cientistas detectou há pouco tempo um subtipo desconhecido do vírus HIV. A descoberta não significará o fim da aids, mas poderá ajudar na criação de protocolos de tratamento. A mesma lógica vale para outras doenças infecciosas. O cientista que coleta amostras de sangue e saliva de um morcego numa caverna da China sabe que é inviável eliminar todos os animais que carregam vírus letais, mas tem a convicção de que o material colhido ajudará a desenvolver armas para combatê-los.

    O Brasil também contribui com estudos na área. Em 2013, o biólogo americano Christopher Mason criou, em parceria com cientistas de diversos países, uma organização que se dedica a monitorar os microrganismos que habitam estruturas presentes em espaços públicos, como bancos, catracas e corrimãos. Assim nasceu a MetaSUB, rede que passou a atuar em mais de 100 cidades coletando material de superfícies e objetos. Depois disso, pesquisadores analisam e sequenciam os genomas dos agentes infecciosos. Considerado inicialmente extravagante, o trabalho da MetaSUB se tornou uma ferramenta preciosa no combate à Covid-19.

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    O grupo se mobiliza para caçar focos do coronavírus em dezessete cidades. Uma vez coletado o material, ele é enviado à Universidade Cornell, nos Estados Unidos, onde o RNA é convertido em DNA e, a seguir, sequenciado. A meta é analisar 10 000 amostras até o fim da pandemia e, com isso, responder a questões como o tempo que o vírus sobrevive em diferentes superfícies, sob que condições e quais são os mais frequentes. “Esses esforços podem dar informações importantes sobre as variantes da Covid-19 que circulam em um determinado país”, explica o biólogo Emmanuel Dias-Neto, que coordena a sede paulista da MetaSUB. Não há dúvida: os caçadores de vírus, personagens indissociáveis de nosso tempo, são vitais para enfrentar a atual e as próximas pandemias.

    Publicado em VEJA de 12 de agosto de 2020, edição nº 2699

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