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Proposta de taxar junk food avança no mundo e entra em debate no Brasil

Um número cada vez maior de estudos liga alimentos ultraprocessados a doenças crônicas

Por Paula Felix Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 09h57 - Publicado em 16 set 2023, 08h00
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  • Prática, palatável e sedutora, a comida industrializada revolucionou os hábitos alimentares especialmente depois da II Guerra Mundial, quando potes e pacotes se popularizaram na rotina de cidades cada vez mais populosas. A vantagem do acesso fácil e, frequentemente, até mais barato que o de itens frescos e naturais transformou o padrão dietético, colocando fast food, salgadinhos, guloseimas e pratos congelados e instantâneos como presença diária no lar, doce lar. E o que fora um banquete, com direito a exageros, se tornou uma armadilha. O avanço nos estudos sobre os impactos desse cardápio começou a mostrar que as altas cargas de açúcar, sódio e gordura nele embutidas cobravam um preço na forma de obesidade, diabetes, problemas cardíacos e outras doenças crônicas.

    Essa constatação, partindo sobretudo de pesquisas populacionais, se aprofundou nos últimos 15 anos, e teve como resultado a revisão dos limites de ingestão adequada, compromissos firmados pela indústria para criar produtos mais equilibrados e mudanças na rotulagem. A ideia, em comum, é botar um freio no consumo abusivo do que hoje os especialistas chamam de alimentos ultraprocessados, aqueles que costumam reunir os principais ingredientes prejudiciais ao organismo. Cientes de que talvez nem isso seja o bastante para transformar o comportamento alimentar, diversos países passaram a estudar ou adotar impostos sobre esses produtos — uma ideia que voltou a ganhar força no Brasil em meio à Reforma Tributária.

    NO SUPERMERCADO - Mudança: nova rotulagem mira ingredientes perigosos
    NO SUPERMERCADO - Mudança: nova rotulagem mira ingredientes perigosos (Jeffrey Greenberg/Universal Images Group/Getty Images)

    O fato, inegável, é que as pessoas passaram a comer cada vez menos arroz com feijão e pratos regionais para se fartar na praticidade e no sabor de produtos prontos. O problema não reside na ingestão vez ou outra, mas quando os ultraprocessados dominam o cotidiano — o que tem sido registrado globalmente. Pesquisas feitas no Brasil acusam um efeito devastador dessa tendência. Um artigo científico atribui 10,5% de todos os óbitos precoces entre brasileiros no ano de 2019 ao consumo desenfreado de comida industrializada. Mais recentemente, outro estudo evidenciou que nem o cérebro escapa do abuso: ele aumenta o risco de declínio cognitivo. A ameaça, na verdade, começa mais cedo, na infância e na adolescência. Um trabalho americano com mais de 3 500 jovens aponta que 63% deles apresentavam maior propensão a gordura visceral, fator de risco para hipertensão e diabetes. O principal fator por trás: o menu desbalanceado.

    A matemática não é difícil de entender: mais ultraprocessados e menos frutas e verduras na rotina parece ser uma fórmula capaz de resultar em ganho de peso e doenças crônicas. Daí as recentes diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS) reforçarem a inversão desse padrão. Como mudar o comportamento alimentar é uma tarefa hercúlea, países têm adotado a taxação de produtos como forma de desestimular o consumo e utilizar as verbas extras para investir em outras medidas de prevenção e combate à obesidade. O aumento de impostos sobre itens açucarados já foi abraçado por Chile, México e mais de 80 nações. O Reino Unido tem um imposto destinado aos refrigerantes desde 2018 e registrou queda de 8% no índice de obesidade em crianças nos primeiros 19 meses após a implantação.

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    arte ultraprocessados

    No Brasil, avançaram as propostas de redução de nutrientes críticos pela indústria e de alteração dos rótulos, que agora exibem alertas para os consumidores em forma de lupa. Mas há quem defenda ir além. “É preciso tributar os produtos nocivos e subsidiar a cesta básica com alimentos minimamente processados para a população mais vulnerável”, afirma o pesquisador Eduardo Nilson, do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da USP. É nessa linha que segue a discussão por novas alíquotas, estimulada pelos movimentos da Reforma Tributária, que ainda avalia a isenção para itens da cesta básica. A ideia não soa bem para os fabricantes, que entendem que as taxas já são elevadas e os malefícios, decorrentes de exagero. “Se tivesse algum produto que não pudesse ser consumido, seria proibido. A gente defende o equilíbrio”, diz João Dornellas, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia). Enquanto esse debate caloroso continua a rolar, profissionais de saúde continuam evocando a máxima do “desembalar menos e descascar mais”.

    Nota da Abia:
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    A reportagem “Cerco à junk food” chama alimentos “ultraprocessados” de comida porcaria. Ao fazê-lo, além de utilizar uma classificação de alimentos que não é reconhecida pela ciência de alimentos – e sobre a qual não há consenso na comunidade científica nacional e internacional –, chama de porcaria uma grande variedade de alimentos produzidos pela indústria. Seria porcaria a feijoada, por ter linguiça e paio em sua receita? Seria porcaria um pão de forma com presunto e queijo? Seria porcaria um iogurte? São listados como “ultraprocessados”, em sua definição incompreensível. É imperativo combater a desinformação sobre o processamento de alimentos, essencial para a produção de alimentos seguros e em escala. Chamar comida de porcaria é prestar um desserviço à população.

    Publicado em VEJA de 15 de setembro de 2023, edição nº 2859

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