Fortaleça o jornalismo: Assine a partir de R$5,99
Continua após publicidade

Sem trégua para a gordura: os avanços da medicina contra a obesidade

Um esforço sem precedentes leva à compreensão sobre como se dá o acúmulo de peso

Por Paula Felix Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 11h31 - Publicado em 28 out 2022, 06h00
  • Seguir materia Seguindo materia
  • O excesso de gordura é representado pela inventividade humana há mais de 38 000 anos, como é possível ver pela corpulenta Vênus de Willendorf, a escultura encontrada em regiões geladas da Europa em 1908. Por séculos, indicou opulência, fertilidade e moldou padrões de beleza, principalmente o de mulheres. Demorou até que a ciência depositasse os olhos sobre o fenômeno e, mesmo assim, quando isso começou a ser feito, a partir do século XIX, não se chegou muito além da constatação de que se tratava de um mero depósito de energia. E assim foi até que o alarme disparou. A escalada de mortes por doenças cardiovasculares, intimamente associadas à obesidade, e a explosão no total de obesos no mundo — 1 bilhão, segundo a Organização Mundial da Saúde — desencadearam um esforço internacional sem precedentes para aprofundar o conhecimento sobre o lipídio e desenhar estratégias mais eficazes para derrotar um dos maiores perigos à saúde pública e individual. A gordura, hoje se sabe, está também por trás de diversos tipos de câncer, inclusive o de mama, de enfermidades osteomusculares e mentais, como depressão e ansiedade. É uma bomba que precisa ser desarmada. Por isso, a ordem é tolerância zero.

    Os cientistas entendem que, para a recomendação ser bem-sucedida, é preciso, em primeiro lugar, superar a velha máxima de que o acúmulo de gordura é solucionado comendo menos e gastando mais energia. É preciso mais do que isso. Graças ao salto nas pesquisas dos últimos anos, compreende-se que a obesidade é resultado de uma teia de fatores na qual sobressaem-se predisposição genética, ambiente familiar, condições econômicas, sociais e emocionais e um sistema metabólico que deve operar sob a mais fina harmonia.

    O desafio está em vasculhar cada um desses aspectos procurando as formas de interferir para que o jogo vire definitivamente a nosso favor. Alguns dos caminhos eram até que conhecidos, mas ganharam outras dimensões. É o caso da prática de exercícios. Associada à alimentação saudável, ela compõe a base da cartilha do emagrecimento. Contudo, novíssimas evidências mostram que os benefícios ocorrem mesmo que os ponteiros da balança não se alterem. Em março, pesquisadores americanos e canadenses publicaram um estudo no periódico The Journal of Physiology apontando que, em obesos, doze semanas de treinamento de intensidade moderada ou de treinamento intervalado de alta intensidade — este último mais conhecido no Brasil — reduzem os processos inflamatórios e o tamanho das células adiposas, onde a gordura é armazenada. São dois impactos importantíssimos. O primeiro: a inflamação derivada da obesidade está na origem do diabetes, outra enorme ameaça à saúde, e da ocorrência do infarto, evento que mais mata no mundo. Portanto, quanto menos intensa, melhor. Em relação ao tamanho das células de gordura, há risco de extravasamento do conteúdo para a corrente sanguínea quando elas são volumosas e estão cheias. Se isso acontece, a gordura se aloja em órgãos como o coração e o fígado.

    arte gordura

    Continua após a publicidade

    Outro mecanismo que emerge com força é a relação dos exercícios com a chamada gordura marrom. Descoberta em 1960, ela foi logo chamada de “órgão termogênico” por sua capacidade de gerar calor a partir da queima de outro tipo de gordura, a branca, justamente a que se deposita no corpo. Por quase cinquenta anos, acreditou-se que estivesse presente somente em bebês com a função de mantê-los aquecidos, uma vez que os pequenos não conseguem tremer e, portanto, esquentar-se a si próprios. Em 2009, contudo, veio a comprovação de que ela estava presente em três pontos: abaixo da clavícula, no pescoço e na coluna vertebral.

    DISCIPLINA - Treino: ativação da gordura que queima gordura -
    DISCIPLINA - Treino: ativação da gordura que queima gordura – (iStock/Getty Images)

    O nó estava em como ativá-la, transformando-a em instrumento para queima da gordura ruim. Expor-se a temperaturas amenas, entre 18 e 19 graus, é um jeito, mas algo um pouco mais complicado de fazer no dia a dia. É aqui que entram, novamente, os exercícios físicos. O recente mergulho nos processos envolvendo a gordura marrom trouxe a constatação de que a prática tem papel decisivo nessa ativação. Uma das formas pelas quais isso acontece é a produção, promovida pelos treinos, do hormônio irisina, capaz de acionar a entrada em ação da gordura do bem. Com investigações acontecendo em todo o mundo, surgem também mais alternativas potencialmente interessantes. Entre elas, a inosina, molécula que, em cobaias, conseguiu a proeza de converter a gordura branca em marrom. A mais nova investigação sobre seu poder foi feita na Universidade de Bonn, na Alemanha, conduzida por Alexander Pfeifer. “Precisamos desesperadamente de medicamentos para normalizar o balanço energético em pacientes obesos”, afirma o cientista.

    Como toda empreitada científica, que sempre traz no bojo descobertas tão fabulosas quanto inusitadas, o esforço feito nesse momento contra a gordura desvela aspectos surpreendentes associando o peso a fatores até então improváveis. Seria difícil imaginar, por exemplo, que quilos em excesso estariam também vinculados ao ritmo do relógio biológico e à qualidade da microbiota intestinal, o conjunto de microrganismos que habitam o sistema digestivo. Mas é exatamente isso o que está sendo demonstrado.

    Continua após a publicidade
    NO JANTAR - Levinho é melhor: refeições noturnas, só com poucas calorias -
    NO JANTAR - Levinho é melhor: refeições noturnas, só com poucas calorias – (iStock/Getty Images)

    O relógio biológico, ou ritmo circadiano, é o ciclo que regula as funções do organismo em um período de 24 horas. Ele é essencial para diversas operações, mas só recentemente soube-se de maneira mais detalhada de sua importância para o controle de peso. “O relógio biológico é vital para orquestrar o metabolismo”, diz Maria Edna de Melo, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. Em dois estudos publicados neste ano, cientistas da Weill Cornell Medicine, nos Estados Unidos, sugeriram que qualquer perturbação nesse ritmo aumenta o crescimento de células que armazenam gordura. O resultado se espelha nos obtidos em junho do ano passado por um grupo da Universidade do Texas, em Houston. Na ocasião, os pesquisadores verificaram que a combinação de distúrbios no relógio biológico e o consumo de alimentos calóricos é catastrófica. “O relógio de 24 horas que regula nosso corpo protege nossa gordura saudável e precisamos mantê-lo equilibrado ao máximo”, afirma Aleix Ribas-­Latre, autor do estudo. As pesquisas sobre a relação entre a gordura e as bactérias do trato intestinal são mais incipientes. Contudo, trazem também boas ideias para o enfrentamento mais abrangente da questão. Uma das coisas que já se sabe é que esse “caldo” de microrganismos no trato digestivo pode ajudar ou atrapalhar na perda de peso dependendo de sua composição. Vem daí a necessidade de manter essa população em equilíbrio por meio de boa alimentação — iogurtes e kefir são boas opções. Assim, pouco a pouco, sobe a chance de vitória da estratégia de concessão nenhuma à obesidade.

    Publicado em VEJA de 2 de novembro de 2022, edição nº 2813

    Publicidade
    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Black Friday

    A melhor notícia da Black Friday

    BLACK
    FRIDAY

    MELHOR
    OFERTA

    Digital Completo
    Digital Completo

    Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de 5,99/mês*

    ou
    BLACK
    FRIDAY
    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

    a partir de 39,96/mês

    ou

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.