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Sinais precoces

Autismo pode ser detectado logo depois do primeiro aniversário da criança. A intervenção nessa fase da vida é capaz de mudar a trajetória do distúrbio

Por Natalia Cuminale Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 16h20 - Publicado em 3 Maio 2019, 07h00
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Na medicina, a palavra “precoce” vale ouro. Quanto antes se descobre uma doença, como um tumor ou uma alteração na pressão arterial, melhores são as opções de tratamento, maio­res são as chances de controle do problema ou de cura. Quando a detecção se refere a distúrbios do desenvolvimento cerebral, comuns na infância, os resultados podem ser ainda mais extraordinários e duradouros — nos primeiros anos de vida, o cérebro está em transformação frenética e, portanto, é mais suscetível a mudanças. É o caso do autismo, transtorno que afeta uma a cada 59 crianças. Revelada na segunda-feira 29 pela revista científica americana JAMA Pedia­trics, uma descoberta abriu uma janela de esperança mundialmente celebrada. Pesquisadores americanos demonstraram que o diagnóstico do autismo pode ser feito a partir dos 14 meses de idade — até agora, as crianças recebiam o veredicto do distúrbio por volta dos 3 ou 4 anos. “A detecção precoce tem impacto no futuro da criança”, disse a VEJA Karen Pierce, a principal autora do trabalho e professora de neurociência da Universidade da Califórnia.

Para o estudo, foi acompanhado em consultórios de pediatria um grupo de 1 269 crianças com e sem autismo com idade entre 12 e 36 meses. Os pais então foram submetidos a questionários específicos sobre o comportamento dos filhos. Algumas indagações investigavam gestos muito sutis, próprios das faixas etárias mais remotas, como a forma de lidar com objetos — não usar a função original dos brinquedos, por exemplo, ou enfileirá-­los com frequência (veja o quadro na pág. ao lado). Em boa parte dos casos, deu-se a identificação no tempo agora mítico de escassos 14 meses de vida. O diagnóstico foi confirmado quando as crianças investigadas completaram 4 anos de idade, com os sinais do autismo já mais claros. “Esse estudo quebra paradigmas porque há um grande receio em estabelecer o diagnóstico muito cedo. Tem­-se uma ideia equivocada de que os sintomas podem desaparecer com o passar do tempo ou quando a criança entrar na escola”, explica Guilherme Polanczyk, psiquiatra de crianças e adolescentes da Universidade de São Paulo.

Esperar que uma criança complete 4 anos para ser diagnosticada pode significar uma oportunidade perdida de tratamento. Com o diagnóstico precoce, ela será submetida antes a intervenções de especialistas, como psicólogos, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais, capazes de melhorar sua linguagem, a interação social e até o Q.I. Os fatores genéticos são importantes, mas os estímulos externos recebidos durante os 36 primeiros meses da infância são cruciais na construção da arquitetura cerebral. Quanto antes eles ocorrerem, melhor. Desde que uma criança nasce, tudo o que ela vê, toca, sente ou experimenta é traduzido em milhares de sinapses. Nessa fase, as regiões dos lobos frontal e temporal, onde estão as áreas dominantes para a linguagem, ficam mais ativas. O bebê de 1 ano já consegue dizer palavras como “mamãe”, “papai”, “au-­au”. Pode querer imitar os comportamentos que visualiza ou apontar para situações, buscando a interação com os familiares. Isso nem sempre acontece com crianças autistas.

O autismo é um transtorno de influências genéticas e ambientais que se dá pela falta de comunicação eficiente dos neurônios. Ao mesmo tempo em que há uma falha de conexão entre as redes neurais, ocorre uma hiperconectividade entre eles — o que explicaria determinados interesses tão focados e específicos e a falta de interação com as pessoas, as principais características do transtorno. Um traço também típico dos portadores de autismo é o cérebro cerca de 10% aumentado. Mais: na infância, o cérebro passa por um período de proliferação de conexões, processo que logo depois é substituído por outro, conhecido como poda neuronal. Nesse momento, as ligações entre neurônios subutilizadas são desligadas, em um processo de seleção natural, e apenas as decisivas permanecem. No autismo, a principal hipótese é que tal processo não ocorre de maneira eficaz. Como existe essa falta de especialização de comunicação, a grande quantidade de neurônios persiste, mas eles não são tão treinados. Mas isso não é definitivo — pode ser alterado. Eis a razão pela qual o diagnóstico precoce é tão valioso.

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Não há remédio para tratar o transtorno. Apenas para controlar alguns sintomas, como a hiperatividade. O trabalho dos pesquisadores da Universidade da Califórnia lança o desafio de detectar o transtorno em crianças tão pequenas, o que não é simples, principalmente para profissionais que não são treinados para reconhecê-lo. As sutilezas da pouca idade são desafiadoras. Perto de 1 ano de vida, nem toda criança fala. Algumas podem ter manias específicas, mas que se perdem no universo infantil. Fica mais fácil perceber que algo não segue o padrão quando a criança já está mais velha. Aos 3 anos, um filho não responder ao próprio nome ou resistir à mudança de rotina causa estranheza aos pais.

O autismo foi descrito pela primeira vez em 1943, pelo psiquiatra americano Leo Kanner (1894-1981). Em um artigo para a revista especializada Nervous Child, o médico definiu elegantemente um dos onze pacientes sob sua observação: “Ele parece ficar satisfeito sozinho. Não demonstra afeição quando acariciado. Não observa o fato de alguém chegar ou sair e nunca parece feliz em ver os pais”. Kanner tirou suas conclusões ao observar meninos e meninas com idade média de 5 anos. Agora, ao identificar o transtorno em crianças com um quinto dessa idade, a ciência abre um novo caminho para os cuidados com o autismo.

Publicado em VEJA de 8 de maio de 2019, edição nº 2633

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