Sociedades médicas criticam não incorporação de canetas para obesidade no SUS
Entidades argumentam que decisão reforça desigualdades no acesso ao tratamento, enquanto Conitec alega inviabilidade orçamentária
Três grandes sociedades médicas do país se manifestaram contra a decisão da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec) de não incorporar medicamentos injetáveis para obesidade e diabetes no Sistema Único de Saúde (SUS). Em nota conjunta, a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (ABESO), a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) e a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) afirmaram que a medida representa um “ferimento aos princípios de equidade, universalidade e integralidade” que estruturam o sistema público de saúde
Na nota, divulgada neste sábado, 23, as sociedades médicas lembram que hoje existem seis medicamentos aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o tratamento da obesidade, mas todos acessíveis apenas no mercado privado. “Assistimos à elitização do acesso ao tratamento medicamentoso da obesidade”, afirmam.
O posicionamento também critica o fato de a Conitec ter rejeitado pedidos diferentes: a incorporação da liraglutida (solicitação das entidades) e da semaglutida (solicitação da fabricante, Novo Nordisk). Além disso, as entidades questionam a ausência de avaliação da sibutramina, um fármaco de baixo custo – cerca de R$ 30 por mês – cujo uso no SUS foi solicitado em 2024.
Outro ponto de contestação diz respeito ao cálculo da relação de custo-efetividade dos medicamentos de nova geração. Segundo a ABESO, SBD e SBEM, os parâmetros utilizados pela Conitec desconsideraram parte dos efeitos positivos da perda de peso sobre a saúde. A obesidade está associada a mais de 200 condições clínicas, como hipertensão, diabetes tipo 2, apneia do sono e doenças cardiovasculares, que elevam a mortalidade e geram custos altos ao sistema público.
Para as entidades, ao não incluir esses desfechos no balanço econômico, a comissão chegou a conclusões que inviabilizaram a incorporação dos medicamentos. “Nesse descompasso entre o técnico e o óbvio, a população que mais precisa continua desassistida”, escreveram os presidentes das sociedades médicas
Na nota, as entidades também chamam atenção para o impacto desproporcional da obesidade entre mulheres negras, periféricas e de baixa renda, e afirmam que, desde 2019, a Conitec já negou cinco vezes a incorporação de medicamentos contra a doença com base nos custos.
Entenda decisão da Conitec
A decisão da Conitec foi anunciada nesta quarta-feira, 20, e rejeitou a inclusão no SUS da semaglutida 2,4 mg (comercializada como Wegovy, da Novo Nordisk) e da liraglutida para tratamento da obesidade.
O parecer desfavorável se baseou, principalmente, no impacto orçamentário. A comissão estimou que a oferta da semaglutida poderia gerar um custo acumulado de R$ 6,4 a R$ 7 bilhões em cinco anos, considerando o uso contínuo – já que se trata de uma doença crônica e de tratamento prolongado. Mesmo em um cenário restrito, apenas para pacientes acima de 45 anos, com histórico de doença cardiovascular e sem diabetes, o gasto projetado seria de R$ 1,5 bilhão em cinco anos.
O fato de o medicamento ainda estar sob patente também pesou na decisão. Na reunião, apenas um dos membros votou a favor da incorporação.
A Novo Nordisk, fabricante do Wegovy e também do Ozempic, afirmou em nota que compreende as limitações do sistema, mas ressaltou que a própria Conitec reconheceu a eficácia, segurança e custo-efetividade da terapia. “A Novo Nordisk compreende que o histórico subfinanciamento do SUS, somado ao contexto de desequilíbrio fiscal, restrições orçamentárias e obsolescência dos mecanismos de incorporação vigentes atualmente, impõem desafios para oferta de tecnologias inovadoras de saúde à população em nível nacional, mesmo quando estas são evidentemente custo-efetivas”, disse a empresa.
Segundo a farmacêutica, mais de 1.300 manifestações de apoio foram registradas durante a consulta pública, vindas de entidades médicas e representantes de pacientes.

