RIO DE JANEIRO* Se as ferramentas de inteligência artificial generativa, como o ChatGPT, continuam encantando a humanidade, elas não têm o mesmo efeito sobre o psicólogo canadense Steven Pinker. Em visita ao Brasil na semana passada, durante o Congresso Brain 2024: Cérebro, Comportamento e Emoções, evento de neurociências realizado no Rio de Janeiro, o professor da Universidade Harvard encontra na tecnologia os mesmos princípios de formulários estatísticos usados nos anos 1960 na psiquiatria e a considera um modelo capaz apenas de repetir padrões.
Por outro lado, não descarta seus benefícios em um mundo repleto de informações e com carência de profissionais qualificados para toda a população. Uma das principais atrações do evento, Pinker apresentou suas ideias sobre inteligência artificial (IA), fake news e racionalidade para jornalistas, conversa acompanhada por VEJA, pouco antes de conduzir uma das sessões do congresso.
No encontro, o psicólogo, que também é linguista, não demonstrou nenhum tipo de deslumbramento com a IA, principalmente no campo da saúde mental. “Elas se tornaram famosas nos últimos anos por causa do ChatGPT e outros, mas não são exatamente inteligentes. Não existe o conhecimento sobre pessoas. Não sabem de nada, só combinam padrões, têm alienações e não podemos confiar nelas”, afirmou.
Pinker relembrou um modelo aplicado no final da década de 1960, o Eliza, desenvolvido por Joseph Weizenbaum, no Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, e que pode ser considerado um dos primeiros chatbots da história. O programa, que simulava as conversas entre terapeuta e pacientes, teve seu desempenho avaliado por meio da comparação entre seus formulários estatísticos e o trabalho de profissionais.
“A fórmula teve melhor desempenho. O computador comete erros, mas o ser humano comete mais. O chatbot simulava a sessão de psiquiatria, acrescentava palavras e, apesar de estúpido, era efetivo. O problema é que estamos falando de uma aplicação de 1967, e estamos em 2024. Temos de pensar em um modelo em psiquiatria, e não em um modelo de linguagem.”
Terapia com IA
Como o tema é complexo, o psicólogo não descarta os benefícios da tecnologia, que pode poupar profissionais de buscas na vasta literatura científica disponível sobre os mais diferentes temas. “Não faz diferença entre o DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) e o algoritmo, porque o manual traz um conjunto de sintomas. A literatura da psicologia é enorme e nenhum profissional é capaz de lembrar de tudo”, pondera. “Não temos psicoterapeutas o bastante para todas as pessoas. A terapia com IA é melhor do que nada.”
Para Pinker, se a IA for usada na psicologia e na psiquiatria, é fundamental que exista transparência. “É antiético fazer uma pessoa falar com uma IA sem saber. É como uma nova medicação. A pessoa tem de ser informada.”
O poder das fake news
Em seu último livro, Racionalidade — O Que É, Por Que Parece Estar em Falta e Por Que É Importante (Intrínseca), Pinker se debruçou sobre a árdua tarefa de explicar por que, em suas palavras, “as pessoas acreditam em coisas estranhas”. O tema também foi discutido em sua palestra, na qual ele destrinchou as razões que levam pessoas com diferentes graus de escolaridade a acreditar em fake news.
Ao contrário da associação que poderia parecer mais óbvia, que seria a ignorância diante dos fatos, o psicólogo lança à reflexão o conceito de “tribalismo político”, algo que faz com que o ser humano aceite e propague aquilo que espelhe seus princípios, as crenças do seu grupo e faça com que ele demonstre mais moralidade que os demais, considerando rivalidades no âmbito da política. “As fake news convencem muitas pessoas porque só reforçam os seus preconceitos políticos. Nos Estados Unidos, se você está do lado da direita, você nega as mudanças climáticas.”
Uma das teorias vigentes é de que isso se agrava com as redes sociais. “As pessoas vivem em suas bolhas e reforçam as suas tribos. Outro grande fenômeno foi a segregação no campo da educação, com pessoas passando a viver em áreas urbanas, residências universitárias, e sem o contato com pessoas de classes sociais diferentes, como pode acontecer no Exército, na igreja e em organizações civis. Assim, é possível demonizar pessoas com quem nunca conviveram.”
A proposta do psicólogo para enfrentar o negacionismo está na valorização da ciência, que precisa de mais pluralidade racial e de gênero. “Precisamos promover a ideia radical de que a gente só deve acreditar em coisas que têm evidências e que, para aprender alguma coisa, ela tem de ser testada para sabermos se ela resiste à realidade.”
*A repórter viajou a convite do Congresso Brain 2024: Cérebro, Comportamento e Emoções