Um novo marco temporal se instaurou nos livros, no noticiário e nas rodas de conversa: o “antes” e o “depois” da pandemia. Foram mais de 1 100 dias que abalaram o mundo, se levarmos em conta o período de emergência sanitária internacional decretado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que durou de 30 de janeiro de 2020 a 5 de maio de 2023. O coronavírus não sumiu do mapa, mas é inegável que sua sanha mortífera foi detida pelas medidas de controle amplamente adotadas, apesar dos arautos do negacionismo. Se o uso de máscaras e o distanciamento social não fossem tomados, é provável que o saldo da Covid-19 tivesse sido ainda mais cruel. E, ainda assim, testemunhamos a maior crise do gênero em mais de um século: até dezembro de 2023, foram 700 milhões de infectados e quase 7 milhões de mortes — mais de 700 000 delas no Brasil. Sem contar as repercussões econômicas, sociais e psicológicas que ainda se fazem sentir.
Decisiva para virar o jogo contra a doença, sem sombra de dúvida, foi a vacinação. Os imunizantes não só foram desenvolvidos em tempo recorde como inauguraram um capítulo na história da medicina com as primeiras fórmulas baseadas em RNA mensageiro, inovação que, de forma precisa, segura e eficaz, entronizou as picadas como o maior golpe contra o patógeno. Uma conquista que se tornou realidade graças ao esforço de uma rede de cientistas, tão bem representada pelos dois pesquisadores cujas descobertas abriram caminho às vacinas de RNA, a húngara Katalin Karikó e o americano Drew Weissman, laureados com o Prêmio Nobel de Medicina deste ano. Poucas vezes a almejada distinção celebrou um feito que, dos laboratórios às ruas, mudou tão rápida e radicalmente a história sendo escrita e vivida por milhões de pessoas. Uma tecnologia que, por meio de instruções genéticas, protagoniza estudos para prevenir outras infecções e tratar doenças como o câncer. O mundo pós-pandemia — conceito em aberto, posto que o micróbio continua circulando e cobrando cuidados, como os reforços vacinais — é promissor. Mas nutre a amarga lição de que, se não zelarmos pelo planeta e deixarmos o radar ligado, outros vírus apocalípticos poderão emergir.
Publicado em VEJA de 22 de dezembro de 2023, edição nº 2873