Um rival para o Botox
Os Estados Unidos anunciaram a aprovação de uma toxina botulínica que promete apagar as rugas por até nove meses, bem mais tempo do que o concorrente
Em 1987, um casal de médicos canadenses fez uma descoberta acidental. A oftalmologista Jean Carruthers estava usando oculinum, uma toxina botulínica, para tratar uma paciente que sofria de uma condição caracterizada pela contração involuntária da pálpebra. A cliente, contudo, reclamou quando Jean não injetou a toxina na testa, porque, segundo ela, o produto fazia desaparecer suas rugas de expressão. Jean levou a notícia ao marido, o dermatologista Alastair Carruthers. O casal foi investigar e produziu um estudo sobre o efeito cosmético da substância que seria publicado cinco anos depois. O casal, porém, não patenteou a invenção. A empresa Allergan, que havia comprado os direitos da oculinum, o fez e, posteriormente, lançou o Botox Cosmetic, renomeando sua aquisição. No mesmo ano da publicação da pesquisa dos Carruthers, em 1992, a Food and Drug Admistration (FDA), agência regulatória americana, anunciou a liberação do Botox para tratar temporariamente linhas de expressão leves e moderadas.
O resto, como se sabe, é história, e das mais bem-sucedidas no campo dos negócios. Hoje, o produto é usado em 98 países, com 100 milhões de frascos vendidos desde 2002 somente nos Estados Unidos. Atualmente, junto com outras marcas da toxina, o Botox alimenta um mercado avaliado em 7 bilhões de dólares em 2021 e com projeção de crescimento para mais de 14 bilhões de dólares até 2030. Só o Botox responde por 76% das vendas no segmento. Números tão ostensivos renderam a compra da Allergan pela empresa AbbVie por 63 bilhões de dólares, em 2019. Um pouco menos do que o PIB da Angola de 2022.
Na semana passada, no entanto, foi aprovado nos Estados Unidos um produto apresentado como o primeiro a desafiar o império do Botox. Chamado de Daxxify, ele é fabricado pela farmacêutica americana Revance Therapeutics. Chega às prateleiras com o apelo de ser a toxina botulínica com efeito mais duradouro do segmento. De acordo com a empresa, as rugas somem do rosto por até nove meses, bem mais do que os quatro garantidos pelos outros produtos. Assim que a aprovação foi anunciada, na quarta-feira 7, um paralelo foi traçado. Alguns apontaram a novidade como a rival do Botox e outros, mais ousados, cunharam-na de Botox-Killer (Matador de Botox, em livre tradução).
Como qualquer marca de toxina botulínica, o Daxxify age fazendo um bloqueio neuromuscular. É essa ação que impede a contração dos músculos, garantindo a atenuação ou o desaparecimento das rugas. O segredo da duração mais longa do impacto do produto agora liberado estaria na inclusão de substâncias que não provocam o sistema de defesa do corpo a reagir, o que ocasionaria a mobilização das células contra a toxina. “Não há risco de ocorrer intolerância, ou seja, de ele ser repelido”, explica a dermatologista Karine Cade, da Sociedade Brasileira de Cirurgia Dermatológica. “Por essa razão, torna-se mais duradouro.”
A chegada do Daxxify era aguardada pelos especialistas e está cercada de expectativa. Contudo, como recomenda a sabedoria, é sempre bom esperar um pouco mais para saber se ele de fato cumprirá o que promete. Nos estudos submetidos ao FDA durante o processo de aprovação, houve demonstração de eficácia e o diferencial de tempo de duração que tanto entusiasmam. “Se a eficiência for mesmo como estão anunciando, com certeza o Daxxify vai entrar para dividir o bolo do mercado da toxina”, considera a dermatologista Luciana Garbelini, integrante da Sociedade Brasileira de Dermatologia.
A FDA, não custa lembrar, é uma das agências reguladoras mais respeitadas e rigorosas do mundo. Dito isso, portanto, se o Daxxify passou pelo crivo dos especialistas americanos, é de esperar que, de fato, entregue o que propagandeia — ainda que a cautela seja um impositivo. De todo modo, fica a curiosidade sobre como se dará a briga entre empresas de portes tão diferentes quanto a Revance, com 500 funcionários e faturamento de 78 milhões de dólares no ano passado, e a todo-poderosa AbbVie — somente nos primeiros seis meses deste ano as vendas de Botox para uso cosmético chegaram a 862 milhões de dólares. Será o Davi contra Golias do universo da beleza. Sem rugas de preocupação, é claro.
Publicado em VEJA de 21 de setembro de 2022, edição nº 2807