‘Vape é epidemia grave’, alerta pneumologista Margareth Dalcolmo
Especialista que ganhou notoriedade no Brasil durante o combate à pandemia de covid-19 expõe um novo desafio para a saúde pública
A senhora acabou de receber a comenda francesa Legião de Honra por sua contribuição para a ciência e a saúde pública. Como foi obter esse reconhecimento? Sempre tive muita relação com a França, até pelo meu trabalho na Fiocruz. Recebi uma carta do presidente Emmanuel Macron e depois houve uma cerimônia no Rio de Janeiro com meus amigos. Foi muito alegre. Inclusive com a participação do Gilberto Gil, que foi meu paciente e é meu amigo. Recebi esse prêmio com muita surpresa e a modéstia necessária.
O Brasil inteiro conheceu a senhora a partir das suas manifestações durante a pandemia. Apesar de tantas mortes e pessoas doentes, houve e ainda há negacionismo. Como lida com essa situação? Vejo tudo isso com muita preocupação. As pessoas falam da pandemia de covid-19 como se fosse a gripe espanhola. Só que o vírus não vai mais embora. Ele virou uma endemia, com a qual teremos de conviver. E a população precisa entender de uma vez por todas que as vacinas salvam vidas.
Quando se deu conta de ter se tornado uma voz tão relevante em um momento crítico para a humanidade? Gravei um vídeo elementar no momento em que o estado de emergência internacional tinha acabado de ser decretado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Em 36 horas, havia 2 milhões de visualizações. Depois que dei a primeira entrevista, foi uma atrás da outra, inclusive para veículos e emissoras de TV estrangeiras. Fora que ainda fazia quinze consultas médicas on-line por dia. Hoje, fico contente de receber demonstrações de confiança. Nunca recebi hostilidades. Elas estão só nas redes sociais.
O Senado voltou a debater a produção e a comercialização dos vapes, os cigarros eletrônicos, proibidos pela Anvisa. Qual é a sua leitura? A indústria produtora de tabaco é esperta no mau sentido. Criou esse instrumento, que é uma das mais terríveis invenções. O vape é uma epidemia grave, e o Brasil tem um papel pioneiro proibindo a propaganda e a fabricação desses dispositivos. O argumento dos que querem legalizá-lo se baseia em duas premissas falaciosas: a primeira é a redução de danos, mas, em cinco dias, o indivíduo está completamente dependente. As pessoas chegam ao consultório com tosse e falta de ar, perdem performance ao se exercitar e até para namorar. A segunda falácia, ainda mais grave, é a arrecadação dos impostos. Não se pode arrecadar com o que faz mal à saúde. Além disso, o que se ganhará com isso será inferior ao que se gasta com a saúde.
Publicado em VEJA de 30 de agosto de 2024, edição nº 2908